terça-feira, 12 de janeiro de 2010

"HALL OF FAME" da BANDA DESENHADA

São desenhos de um autor que nunca viu o seu trabalho publicado em Portugal no formato de álbum: Philippe Druillet. Simplesmente inacreditável! Claro que o nosso mercado hoje é senão uma sombra daquilo que já foi. Mesmo nos tempos idos de uma maior penetração da BD mais, escrevamos assim, elucidada, era complicado trazer determinado tipo de autores, pelo estilo mais arrojado e mais dedicado a um connesseur de BD. Mesmo assim houve exemplos de arrojo por parte dos editores do género em Portugal, mais pelo comboio do dinheiro que chegava às editoras estrangeiras do que pelo verdadeiro arrojo artístico, mas tudo bem. Hoje o cenário é um marasmo de reedições de “heróis” mais ou menos vendáveis, mesmo assim sem eira nem beira na lógica de edição (para mim, pelo menos). O futuro não se apresenta risonho, infelizmente. Obviamente entendo a cautela em editar autores mais difíceis de captar a atenção e aceitação por parte do público em geral; quem me dera que os fáceis de captar essa atenção e que já tem fieis seguidores vissem a já muito desejada continuação publicada ou em vias de publicação. De qualquer maneira, valho-me dos meus fracos conhecimentos da língua Francesa (que vai dando para o gasto) e dos melhores conhecimentos da língua Espanhola e Inglesa para cultivar o meu gosto e a minha educação nesta arte.


Assim, este autor incontornável de renome Mundial terá que fazer parte da educação bedéfila de quem se quiser bem formar na apreciação do género artístico. Quem já não ouviu falar da Métal Hurlant ou da Humanoïdes Associés? Os que agora enveredaram nos caminhos da BD talvez não, mas os iniciados sem dúvidas que já, estou seguro. São nomes quase míticos quando referenciamos a 9ª arte a um dos países que sobremaneira ajudaram a divulgá-la: a França; ou mesmo no plano mundial, não arrisco muito em o escrever. A Banda-Desenhada não seria a mesma sem certas publicações e a Métal Hurlant enquanto publicação periódica (primeiro bi-mensal, ao fim de oito números passou a mensal) levou a BD a um outro nível e a H.A. idem enquanto editora, obviamente. Na génese de ambas estiveram os nomes de Philippe Druillet, assim como os dos já entre nós publicados Jean Giraud e Jean-Pierre Dionnet (Bernard Farkas também é um dos seus criadores e exercia o cargo de Director Financeiro). A Métal Hurlant foi publicada entre 1974 e 1987 e para além das suas fantásticas histórias desenhadas continha artigos vários sobre vídeo-jogos, cinema, música, etc. Em 2002 teve direito a uma segunda vida, noutros moldes e formato, publicada pela Humanoids Publishing com versões em Francês, Inglês, Espanhol e em Português (como muito bem sabem, embora na altura tenha sido um espanto). Esta segunda vida não teve fôlego para além dos 14 números; em Portugal creio que não passou dos quatro ”), o que eu lamentei imenso(corrijam-me se estiver errado, pois não encontrei os meus números aqui na “grande confusão”).

A casa Humanoïdes Associés (grande responsável pela magnifica publicação da primeira edição da Métal Hurlant), a título de curiosidade, deve o seu nome à alcunha dada aos seus criadores: os quatro acima referidos eram denominados pelos seus pares como “Os humanóides associados” ou, talvez, como “Os sócios humanóides”. Seja lá como for, são estes os “culpados” pela transposição dedicada da Banda-Desenhada a um público maioritariamente adulto . Não escolho a palavra “elevação” porque não considero que a Banda-Desenhada infanto-juvenil seja merecedora de menor consideração do que a BD adulta.

Se o nome de Jean Giraud diz muito, bastante, a todos nós, mesmo aos mais tenrinhos, seja como tal ou na forma dos seus pseudónimos (Giraud ou apenas Gir) ou mesmo heterónimo (Moëbius), também o nome de Dionnet faz tocar algumas campainhas entre nós, nem que seja pelo seu trabalho ilustrado por Enki Bilal (“Exterminador 17”, originalmente publicado na Métal Hurlant). Mas, e o trabalho de Druillet?! Será que apenas o nome faz soar campainhas, ou conseguem associar o nome aos seus magníficos negros e pessimistas delírios na ficção científica desenhada? Se sim, então são uns sortudos (eu considero-me um). Em Portugal não mereceu um álbum sequer (!), algo que considero uma heresia por ser um nome ao qual a BD é indissociável. Ainda mais quando temos no nosso panorama um artista que foi influenciado por Druillet: Victor Mesquita no registo do seu absolutamente fantástico “Eternus 9”. Dirão alguns que foi de facto o Moëbius a verdadeira influência de Victor Mesquita, eu não discordo, mas ressalvo que tanto Moëbius como Druillet se influenciavam um ao outro, a mescla é notória, por tal até os próprios se "confundem"; também estou certo que o Victor Mesquita teria tido uma certa influência nesses autores caso pertencesse à eclética "associação" de amigos (não tenho conhecimento factual para afirmar o que afirmo, são apenas suposições, pelo que alguém que de facto o saiba, por favor não se iniba de me ensinar); da minha parte aproximo mais o Victor Mesquita ao estilo de Druillet, portanto façam a leitura que quiserem. Faço aqui um à parte para dar os meus parabéns à iniciativa de terem reeditado o “Eternus 9” deste nosso grande artista, fica a pena e a incompreensão de o álbum ter sido lançado com um preço absurdo; fico à espera da prometida continuação (também seria de louvar a reedição de outros trabalhos deste artista, muito mais difíceis de encontrar nos alfarrabistas do que o “Eternus 9”, como exemplo: “Babel”, aqui num registo mais "Moëbiano").

Druillet brindou os bedéfilos com duas séries magníficas: “Lone Sloane” e “Salammbô”. Para além destas séries publicou “Mirages”, “La Nuit”, “Gail” e “Nosferatu”, entre mais alguns álbuns. Curiosamente o meu primeiro álbum do Druillet foi exactamente o último que publicou (“Nosferatu” Dargaud 1989), e estranhamente atraiu-me imediatamente. Escrevo estranhamente porque é (talvez) um álbum atípico e sem dúvida é estranho no conteúdo e na própria fluidez da narração (por não ser fluído). A preto e branco e com o texto dos balões desenhado pelo mesmo torna-o uma leitura complicada. Primeiro porque é necessário conhecer as diversas obras de Nosferatu, em especial as de Murnau (1922) e Werner Hertzog (1979), depois é preciso entender, a dada altura, que a de Druillet não é uma adaptação mas antes mais considerações ou meditações sobre a vida e a morte. Na obra de Druillet é normal encontrar estas e outras considerações sempre num registo fatalista do ponto de vista de um pessimista crónico.

A série “Lone Sloane” (4 álbuns) narra as aventuras de um Pirata, ou antes, um Flibusteiro (aqui está um nome que ouvia o meu Pai dizer quando me contava histórias de piratas!) renegado, que juntamente com os seus dois companheiros, Yearl e Kurt Kurtsteiner, singra no espaço sideral a bordo da sua nave O Siddarta. Numa atmosfera totalmente “Lovecraftiana” (H. P. Lovecraft) e “Vogtiana” (A. E. van Vogt) estes “heróis” debatem-se com Deuses obscuros, monstros e, claro, um opressivo Império galáctico. Imperdível. Na senda de Impérios opressivos, chamo a atenção para a ilustração que o Druillet fez aludindo ao filme de George Lucas, “Star Wars”.

A série “Salammbô” pega na novela de Gustave Flaubert que conta uma história passada na antiga Cartago com a filha do General Amílcar, Salambô, e do amor condenado desta pelo líder dos mercenários que montaram cerco à cidade nação, de acordo com as crónicas de Polybius. Druillet dá-lhe a dimensão própria deste autor. Épica.

Faço aqui um convite a todos para conhecerem um dos “Hall of Fame” da BD e se o Francês for um inconveniente procurem álbuns da NBM Publishing (em Inglês) e da Heavy Metal (em Inglês) deste expoente da arte sequencial que não se arrependerão.

4 comentários:

Optimus Primal disse...

O Futuro vai ser negro ou em Portugues do Brasil.

Nuno Amado disse...

Fizeste uma boa homenagem a esse "motor" da BD europeia chamado Druillet. Conseguiu puxar os adultos para Bds mais sérias renovando conteúdos! Com a Humanoides Associés a Bd subiu a um patamar superior!
Bom post Refem.
(O piso deste blog tá com algum pó, e ainda tem uma ou outra teia de aranha nos cantos...)
:D

Abraço

Gio disse...

Este é um tema que adoro.Mas o que dizer depois de um artigo já tão exaustivo e bem documentado? népia.
Vou só acrescentar o comentário que Marcel Gotlib fez do trabalho do Druillet- "É muito poupadinho. Aproveita todos os recantos do papel sem desperdiçar um centímetro quadrado da prancha".

refemdabd disse...

Caro Manuel, realmente é triste!

Obrigado Bongop. Quanto ao patamar elevado, eu diria um patamar diferente. Creio que a BD infanto-juvenil é bastante "elevada" e foi e é crucial para educar as gerações de bedéfilos, incutindo-lhes o gosto e o amor necessário para ela se tornar adulta, assim como nós nos tornámos adultos.

Gio, de facto é impressionante o uso que o homem faz da prancha.