terça-feira, 12 de novembro de 2013

THE TRIGAN EMPIRE



De uma das prateleiras que fotografei e que coloquei no post anterior sai esta série publicada pela The Don Lawrence Collection em formato de luxo, encadernado parcialmente a couro preto com generosas dimensões, 24 x 34cm, e com papel de 150 gramas onde as fabulosas pinturas de Don Lawrence ganham uma dimensão ainda mais épica narrando com ilustrações a fantástica epopeia do império de Trigan no Planeta Elekton e dos seus gigantescos habitantes com 3,65m de altura. São 12 volumes com uma média de aproximadamente 90 páginas, a cores, com 50 contos do Império de Trigan no total, complementados com um dossier ricamente ilustrado sobre como foram criadas as histórias e documentação acerca do Império de Trigan, e onde se pode vislumbrar todo o trabalho original do artista para a série. Nesta colecção todas as histórias foram ilustradas por Donald Southam Lawrence (17-11-1928 a 29-12-2003) e escritas por John Michael Butterworth (10-01-1924 a 04-10-1986 – aka Carola Salisbury). 



Os contos do Império Trigan, na narrativa, são traduções de livros encontrados dentro de uma nave espacial que se despenhou nos pântanos da Florida nos finais dos anos 30 do séc. XX. Embora a nave tenha resistido à destruição no impacto com o planeta Terra, a sua tripulação foi encontrada já sem vida. Dentro da nave foi encontrada uma colecção de livros escritos numa língua desconhecida pelos humanos do planeta Terra. Durante muitos anos, cientistas de todo o mundo tentaram em vão decifrar essa escrita. Mas, um desses cientistas, Peter Richard Haddon, depois de desde novo ter dedicado toda a sua vida ao estudo desses livros, quase no final dessa vida, conseguiu desencripta-los. Graças a este homem o mundo inteiro consegue finalmente conhecer a História da ascensão e queda do Império Trigan.




É com esta introdução na revista inglesa Ranger (“the magazine for boys”) que a saga “The Rise and Fall of the Trigan empire” foi apresentada aos seus leitores. Foi um projecto tido como ambicioso e, por tal, prestigioso, pelo que foram contratados dois talentos de topo. Mike Butterworth escreveu o roteiro, argumento, desta ópera-espacial e Don Lawrence ilustrou-a. Foi uma escolha acertadíssima, com a combinação destes dois talentos “The Trigan Empire” torna-se numa das mais populares “comic-strips” Britânica. Corria o ano de 1965. A tira de BD foi publicada nas revistas “Ranger” (#1 até #40) e depois na “Look and Learn” (#232) quando as duas revistas se fundiram numa só. Foram aproximadamente 50 as histórias elaboradas por Mike e Don. Existem algumas reedições destas histórias em formato álbum ou comic, mas estas da The Don Lawrence Collection são as únicas que revitalizam o trabalho original do artista e estão disponíveis em Inglês e Holandês.



Mais conhecido entre nós talvez pelos seus desenhos na série “Storm”, foi com “The Trigan Empire co” que a mestria de ilustrador de Don Lawrence foi reconhecida mundialmente.

Mike Butterworth para além desta série e outras em BD, destaco as histórias que escreveu do herói da RAF, Battler Britton. Escreveu também vários romances e novelas não ilustradas. 



Depois de Don Lawrence ter abandonado a série, esta ainda foi publicada até 1982 (Look and Learn #1049) mas desenhada por outros artistas, tais como Olivier Frey (arte), Gerry Wood (arte) e Ken Roscoe (argumento). 








O cenário da série é anacrónico, onde se misturam elementos díspares, uns que fazem lembrar os impérios Romano, Bizantino e Persa, tanto nas vestes como na arquitectura e aspectos sociais, assim como em certas armas, e outros que aludem a uma ciência muito avançada mesmo para os nossos padrões, como estranhas e avançadas máquinas e armamento, como fantásticos aeroplanos e navios, naves espaciais e pistolas de raio-laser. As aventuras são típicas dos anos 60/70: passadas no planeta Elekton e noutros, os heróis Trigo, Brag, Janno, Salvia e Peric, juntos ou à vez, lutam contra as ameaças ao império e inexoravelmente ganham sempre. Os enredos não são muito rebuscados, devido ao público-alvo, mas também não são, de todo, infantis. Tanto mais que acompanhada pela deslumbrante arte que a caracteriza. Diversão garantida, sem dúvida. Uma grande mais-valia numa qualquer colecção de BD. Acompanha esta colecção uma série de 12 "prints" em formato A4 de pinturas originais que Don Lawrence fez para esta edição. Como os livros são grandes, foi difícil conseguir digitalizar estas imagens.

  



sexta-feira, 1 de novembro de 2013

 Já estava na hora de pegar nisto outra vez. Depois de um longo hiato, e porque já tenho um scanner, decidi voltar a colocar aqui alguma coisa. Não será como dantes, grandes textos, posts que nunca mais acabavam. Por isto, lamento pelos masoquistas que até poderiam ter algum gozo nesse flagelo, lamento especialmente por aqueles que preferiam ler o meu blog na vez do "Ulisses" do James Joyce num período qualquer de férias. Claro que eu não aspiro à comparação com James Joyce, mas, confessem os que conhecem o autor, preferiam os meus posts, não? Fora de brincadeiras, trarei aqui os meus livros apenas. Não, não são aqueles que eu escrevi (sortudos), são aqueles que eu tenho nas minhas estantes e nas long-boxes que estão aqui por casa. Então começo por colocar algumas fotos de algumas das minhas prateleiras com uma parte da minha colecção, ficando de fora ainda bastantes. Nestas fotos figuram pouquíssimos álbuns de BD Franco-Belga, comic-strips e revistas, essas colocarei mais tarde. Se, por acaso, depois de alguém ver estas fotos e quiserem um (pequeno) post sobre algum dos livros que nelas figuram, não se acanhem, peçam que eu faço. Quanto às fotos, é óbvio que não sou fotografo. E, lembrem-se: "Fumar Mata"!






























sexta-feira, 4 de novembro de 2011

ŌOKU: THE INNER CHAMBERS


“Ōoku” é uma série que me deixou um bocado reticente em começar, pela sua inerente característica alcoviteira e, também, pela já gasta fórmula que a autora escolheu para lhe “trocar as voltas” (já lá irei). Mas, depois de pesquisar o que era o Ōoku fiquei bastante curioso quanto à forma em que a autora se propôs abordá-lo.

O que era o Ōoku? No ano de 1607, no início da era do período Edo (24-03-1603 até 03-05-1868), também chamado período Tokugawa, em que o Japão foi dominado por este Shogunato, o Shógun Tokugawa Hidetada, segundo Shógun deste período, filho terceiro do primeiro Shógun (Tokugawa Leyaso), decidiu criar uma ala em que residissem todas as mulheres ligadas ao Shógun. Nesta ala, embora conotada como um harém, residiam também a mãe e a esposa do Shógun. No Ōoku era proibida a entrada de homens adultos que não fossem a acompanhar o Shógun; este entrava no Ōoku por um corredor com o nome de Osuzu Rōka (“passagem dos sinos”), conhecido assim devido ao som dos pequenos sinos tocados que assinalavam a passagem do senhor, e todos tinham que se prostrar perante a sua passagem e olhá-lo era crime capital. As influências sobre o Shógun pela proximidade a este daquelas que no Ōoku residiam instituíam-no como um local de Poder. A intriga era uma constante. A responsável pelo Ōoku tinha um cargo com importância e consequente influência no nível da de um Alto Conselheiro (Rōjū), um dos mais altos cargos governamentais no período Tokugawa; durante este período o maior número simultâneo de Rōjū foi de cinco. O Ōoku estava desligado do resto do mundo japonês por decreto do Shógun, tinha leis e regras próprias e quem nele entrava só poderia sair, temporária ou permanentemente, com autorização expressa do próprio Shógun. O Sistema Ōoku durou por aproximadamente 200 anos.

 Depois de ler os cinco volumes que até agora estão disponíveis pela Viz Media, posso escrever que a série tem-me agradado no geral, e em alguns pontos é bastante interessante. A troca de favores sexuais seja pela prostituição seja pelo próprio casamento, ausente de amor e pleno de interesses, até à pornografia, são uma constante Histórica na sociedade. As mulheres, invariavelmente carregam a inexorável brutalidade consequencial desta verdade. Esta série, “Ōoku, The Inner Chambers” de Fumi Yoshinaga, inverte o objecto dessa verdade. A troca de posições dos géneros e respectivos papéis na então sociedade feudal japonesa é curiosa, mas com alguns mal explicados ou mal justificados acontecimentos, segundo algumas críticas que li. Presumo que essas criticas por sua vez pressupõem que tais mudanças de regime teriam que acompanhar uma mudança substancial da percepção da sociedade por parte da população masculina, para que de facto tornasse verosímil e mesmo possível tal “revolução” social, o que não acontece. Neste período Edo alternativo, a autora cria uma situação de flagelo que afecta apenas os homens, uma doença a que chama Varíola Vermelha matando 75% da população masculina ao longo de 80 anos. É uma fórmula gasta, já utilizada por várias vezes por outras autoras no passado e recentemente revisitada noutra série de comics, se bem que pela pena de um homem, Brian Vaughan em Y:The Last Man (é desenhado por uma mulher, Pia Guerra), mas totalmente assente nos textos originais de uma mulher, Mary Shelley (ver post neste blog em http://refensdabd.blogspot.com/2008/11/y-last-man-deluxe-edition-book-1.html). Esta, não escreverei obsessão, mas mania de certas autoras em matarem os homens todos, ou grande parte deles, incomoda-me um bocadinho…só um bocadinho. Transformar o mundo num matriarcado. Tudo bem, admito ser plausível e até dou à palmatória o desejo que têm nisso. Fumi Yoshinaga não se preocupa muito em explicar concretamente como é que, pese a redução drástica do número de homens, as mulheres mantêm o poder de facto na vez dos primeiros, quando estes ao fim de 80 anos ainda não assumem essa mudança de regime. Isto porque, segundo a minha leitura, não existiu nenhuma alteração de “regime” de facto, apenas uma necessidade de ajustar a sociedade ao flagelo. Assume-se um segredo dentro do Shogunato (seria um spoiler dissertar mais sobre este). De tal maneira, que o ajuste é ele também um segredo na figura do seu expoente máximo, o Shogunato, que não pode transpirar para o estrangeiro e seus representantes, para não enfraquecer a posição do Japão perante o resto do mundo patriarcal.

Acredito que Fumi Yoshinaga propositadamente não quis saber em solidamente assentar o pressuposto, mas não é consistente na sua aparente escolha à medida que os enredos se deslindam (cá está, seria um spoiler).
 Se ela não o quis fazer eu admito, num salto de fé, que as coisas neste mundo alternativo são assim com uma razão credível para o serem, apreciando apenas o mundo criado pela autora sem questionar a verosimilidade da sua existência, por vezes assumida e por vezes turva. Assim, os enredos tornam-se muito interessantes e bastante curiosos, tornando a leitura despreocupada, fácil e diferente daquilo que estamos habituados na Manga ou BD em geral. A linguagem formal e “à antiga”, na versão inglesa traduzindo o Nihongo feudal por um Inglês Vitoriano falso, assumem um papel importante que serve o propósito de melhor nos transportar à época, e, mesmo assim, a leitura é fácil, fluída.

 O enredo tem uma história de fundo que tem sido transversal a todos o volumes, acompanhando o segredo do Shogunato, o como e o porquê desse segredo, assim como várias pequenas grandes histórias que enriquecem, substanciam, e acima de tudo revelam o mundo alternativo deste Ōoku.
O desenho é muito seguro, alterna o estilo “realista” com algumas expressões faciais exageradas bem colocadas.

Em suma, é uma leitura interessante, adulta, que nos prende à narrativa. Não sei se não cairia na tentação de a classificar como um Shoju invertido (esta inventei agora!). Merece bem as críticas muito positivas que tem tido. Eu recomendo-a a todos que gostem de temas mais adultos, mais literários. 






Na senda de outras transposições ao grande ecrã, também esta série terá a sua.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

EXCELSIOR

 Antes de começar este post tenho que escrever que tentei colocar mais imagens para ilustrar este texto, mas demonstrou-se ser uma missão quase impossível: o novo formato de mensagens destes blogs foi de mal a pior, as imagens são colocadas pela aplicação onde esta quer e não onde eu quero! Movimentar a imagem para um dado sitio é um exercício que mede a minha paciência de tal forma que eu prefiro não me aborrecer mais. É o mal do pessoal da informática: quando algo finalmente funciona, têm logo que vir fazer "evoluir" a aplicação, sem que isso traga qualquer proveito ao utilizador, que tem que começar tudo de novo, prejudicando de forma séria a qualidade do seu trabalho e mesmo a produção desejável. Cambada de gente que só gosta de complicar.

Stanley Martin Lieber, assim haverá muita gente que não discernirá de quem se trata, agora como Stan “The Man” Lee, para quem aprecia Comics, não precisa de qualquer apresentação. Para quem não conhece, é um dos gurus dos Comics Norte-Americanos e, convenhamos, com toda a justiça, um dos nomes maiores da 9ª Arte no Mundo.

  Sozinho e em conjunto com outros grandes nomes da História dos Comics foi responsável por uma nova aproximação aos Comics, que já existiam há muito tempo antes dele. A “humanização” dos personagens que habitam os Comics, essencialmente os Comics onde protagonizam os chamados “Super-Heróis”, foi da sua quase inteira responsabilidade. Até então, os super-heróis eram quase invariavelmente seres extraterrestres, ou humanos com meios extraordinários, como os mais famosos Superman e Batman. Caiam no estereótipo arcaico, onde o desenvolvimento tridimensional do personagem era secundário, ou pura e simplesmente inexistente, personagens de alta índole moral, inatingíveis, acima do comum dos mortais, bastiões da integridade. Após o sucesso dos Comics de super-heróis na década de 30 e seguintes, houve um inevitável declínio no interesse nos mesmos por parte do público já durante a segunda metade dos anos 40, mas principalmente durante quase toda a década de 50. Alguns dirão que realmente nunca tinha havido uma descolagem do género super-heróis em relação aos outros existentes (Policial, Horror, Fantástico, Humorístico, Western, etc.) até à entrada em cena do Sr. Stan Lee.


 Embora já trabalhasse no ramo dos Comics desde 1939 na Editora Timely Publications (Martin Goodman, Publisher; Joe Simon, Editor) e fosse um artista publicado desde 1941, foi em 1961 com o lançamento da revista Fantastic Four que Stan Lee se afirmaria como “O” monstro sagrado dos Comics. Desde os tempos da sua primeira co-criação, “Destroyer” (decorria então a agora chamada “Golden-Age of Comics”), que Stan Lee vinha a crescer a sua ambição, na mesma medida da sua frustração, de transformar os Comics de super-heróis em algo de mais tangível ao seu público-alvo na altura, os pré-adolescentes. Em meados dos anos 50, a editora era então reconhecida por Atlas Comics, publicando vários géneros de Comics.

 No final da década de 50 a DC Comics (O gigante da industria dos Comics) reanimou com algum sucesso o género super-heróis pela mão do seu então editor, Julius Schwartz, com os títulos “Flash” (reinventado) e “Justice League of America”. Mas, conforme foi já anteriormente descrito neste texto, o arquétipo dos personagens e das histórias manteve-se fiel ao antigo existente desde a década de 30. Para apanhar o comboio do sucesso, Goodman incumbiu o então editor-chefe e director de arte Stan Lee de fazer o mesmo que a DC. Descontente com o panorama, já pensando em mudar de carreira, Stan Lee foi encorajado pela sua esposa, JC (Joan Clayton Boocock), a seguir os seus instintos e as suas ideias, uma vez que pouco ou nada teria a perder. Em conjunto com outros criadores, artistas e escritores (Jack Kirby, Steve Ditko e Wally Wood são os mais memoráveis) decidiu lançar-se na aventura que acabaria por revolucionar a indústria dos Comics, até aí completamente dominada pela rival DC Comics.


A Atlas Comics passaria a ter o “label” Marvel Comics em virtude do primeiro título de Comics lançado pela Timely Publications em Outubro de 1939. O primeiro título com o “label” Marvel Comics foi o número 3 da “Amazing Adventures” em Agosto de 1961. Aqui nasce a agora chamada “Silver Age of Comics” e com ela o primeiro herói da Marvel dessa época, “Dr. Droom”. 

É em Novembro de 1961 que seria publicada pela primeira vez uma das revistas que marcariam várias gerações, e nela nasceriam os primeiros dos super-heróis criados e co-criados por Stan Lee que abalariam e, inexoravelmente, acabaram por demolir os arquétipos em que todos os personagens do género até então assentavam: Fantastic Four #1.
 A Revolução da Marvel consistiu simplesmente em “humanizar” os até aí intocáveis, altivos e “maiores que a vida” super-heróis existentes. Tornaram-se humanos, com contas para pagar, com invejas, preocupações, amores e desamores, tristezas e alegrias e tudo o que é inerente à condição humana. A ciência era a usual desculpa para tornar alguém “super”; já não necessitava de ter nascido num planeta distante, ou numa dimensão diferente, ou ser um multimilionário extravagante, ou ter morrido e se tornado numa sinistra criatura, etc. Bastava mexer numas provetas e ter um acidente e…vai buscar: agora és um homem lagarto! Ou ser um promissor estudante, que leva porrada dos colegas por ser marrão e não ter jeito para as miúdas, ir a uma visita de estudo e ser mordido por uma aranha…radioactiva! BAZINGA…és o Homem-Aranha! Ser um promissor cientista na área dos estudos militares, a testar uma nova Arma de Destruição Massiva à base de radiação Gama (porque não?!) por ele inventada, ver um puto entrar na zona de testes, sair a correr para o salvar, conseguir salvar o puto mas a ele não, por manifesta falta de tempo (não nos acontece todos os dias? Ter falta de tempo, isto é!) e TUMBA-LA: és o Incrível Hulk! Talvez seres um médico coxo, que ao contrário daquele que aprendemos a odiar na TV, é um tipo lourinho e muito bonzinho, que sente o chamamento, bate com a bengala no chão…ZUNGA: és o Thor, o Deus do Trovão desaparecido há muito! Ou, para terminar uma lista que seria muito, muito longa de situações muito verosímeis, pois então (!), para alguém se tornar “super”, um dos meus favoritos: viveste há muito tempo, combateste os nazis com enorme sucesso e desapareceste inexplicavelmente para um dia apareceres a boiar no oceano dentro de um bloco de gelo; veio um habitante de uma espécie subaquática conhecida por Atlantes, que por sinal é Príncipe, liberta-o e…depois de muita porrada…TRUXAS, bem-vindo de volta Capitão América, paladino da poderosa América! Ridículo, não é? Mas o pessoal adorava (e adora), gastando a semanada, a mesada e até uma boa fatia do ordenado, fazendo da então marginal indústria dos Comics numa indústria do bilião de dólares ano (um bocadinho mais).
 Enfim…a imaginação (muito fértil e fantasiosa) continua a ser o principal factor nos Comics de super-heróis e não foi aqui que eles mudaram. A transformação deu-se na medida em que os novos super-heróis depois de andarem à porrada com uns gajos do espaço, têm que ir ao hospital curar os ossos partidos (com algumas excepções!), depois têm que arranjar um emprego para pagar as contas dos absurdos custos dos seguros médicos (e não para esconder a identidade), pagar a renda, pelo caminho conhecem uma moça simpática, começam a namorar (com todas as alegrias e ansiedades próprias do acto, mas também com uma panóplia de preocupações devido à condição de “super”: “será que lhe conto, ou será que não lhe conto?” é a mais recorrente), casam-se (ou não), têm filhos (ou não) separam-se (ou não!), têm ciúmes (têm sempre! Elas são sempre jeitosas!), morrem (ou não! E aqui isto é muito complicado, pois muitos que morreram acabam por voltar!), etc.

O que é certo é que esta nova fórmula não só cativou ainda mais uma geração inteira de pré-adolescentes, como ainda foi buscar os adolescentes e os pais de alguns destes, que no seu tempo tinham apreciado o género, mas depois caíram na real e não tiveram pachorra para aturar tipos maiores que a vida, ainda por cima vestidos em licra e spandex. Apesar de inverosímeis, e continuarem a vestir licra e spandex, estas novas histórias de super-heróis traziam muita “miséria” da vida destes, alguns coitados, novos “super”…e não é uma questão de toda a gente gostar mais de chafurdar na miséria dos outros do que aquela em que vive, mas encontrar pontos de contacto, referencias, entre os personagens ficcionais e o leitores, estratégia que se revelou brilhante.
  Mas os enredos continuaram a complicar-se, não bastando a nova condição humana destes “super”, o factor sociedade também entrou no baralho. Saída de um pós-guerra que floresceu a economia Norte-Americana, elevando o “American Dream” ao seu expoente máximo durante a década de 50 (não obstante a guerra da Coreia). A década de 60 trouxe um panorama mais complicado nesse plano, desde as lutas contra a segregação racial com Martin Luther King, a Televisão, a transformação política com o clã Kennedy e as tensões geopolíticas vividas nesse período, nomeadamente a crise dos mísseis com Cuba e a guerra do Vietname, revoltas estudantis, crises petrolíferas, económicas, a crise na família tradicional americana com uma libertação do papel da mulher ora por necessidade ora por vontade da própria, um crescimento súbito da emigração clandestina, o desenvolvimento dos carteis da droga a sul da fronteira, e uma plêiade de outras situações que terminaram com a vida vista e até sentida em tons de cor-de-rosa de uma América em que absolutamente de forma esmagadora predominava a vontade e a visão WASP (White, Anglo-Saxon, Protestant). Todas estas questões foram sendo, devagar, colocadas nos Comics. Como exemplo, na questão das drogas o Stan Lee ajudou a rescrever o apertado Comics Code (Código de conduta aceitável nos Comics, leia-se “Censura”), quando criou uma história na qual um amigo do Spider-Man se tornou adicto a barbitúricos, tendo com isto querido avisar contra os perigos do uso de drogas. Esta história foi escrita por Stan Lee a pedido do Departamento de Estado da Saúde, Educação e Segurança Social dos EUA. Acabou por ser rejeitada pelo Comics Code Authority por ser uma história que retratava drogas, tendo o contexto sido totalmente desconsiderado. A história foi publicada na mesma, sem o selo de aprovação da autoridade “competente”. A edição vendeu muito bem e a Marvel foi amplamente louvada pela sociedade, o que levou a Comics Code Authority a reconsiderar o código, permitindo então mais liberdades até aí vedadas. As nuances e mudanças subtis ou bruscas na sociedade eram, e são, impressas nos Comics. O nível e a intensidade dramática alteraram-se por completo. Mesmo os heróis tradicionais e mais antigos, como o Superman e o Batman da gigante DC, tiveram que se adaptar à forma como Stan Lee visionou os novos Comics: o Superman tornou-se mais sorumbático e introspectivo, de perfeitamente adaptado a ser um humano passou a se sentir um alienígena, a sua até então indiscutível invulnerabilidade, mesmo a não física, é colocada em “xeque”, culminando até na morte do personagem; O Batman, de absoluto paladino da justiça passa a vigilante temido, figura mais e mais obscura, psicótica em muitos aspectos, também encontrando um fim dramático distante da aura dourada dos velhos tempos da Golden Age, passo o pleonasmo. Na Marvel, mais recentemente desde Joe Quesada, que a passada rápida e larga da realidade atropela por várias vezes as situações vividas na ficção dos Comics. Goste-se ou não, Quesada imprimiu um paralelismo ficção versus vida que transformou ainda mais os Comics, na linha do pensamento original de Stan Lee. Exemplos são a linha Ultimate, que reinventou todos os heróis (re)inventados na década de 60 e os trouxe para o público do século XXI, sem o sucesso que provavelmente desejavam, mas, sem dúvida, com bastante impacto; A morte de certos personagens, como o Capitão América, na sequência da politização dos personagens na saga “Initiative”, responsabilizando-os pelo poder e habilidades que possuem, nas consequências que estes poderão trazer, sejam estragos materiais, sejam mortes e acidentes de qualquer natureza, governamentalizando os super-heróis com um acto em forma de lei, que culminou em Guerra Civil entre eles. Tudo isto fruto do ignóbil 09/11 que em muitos aspectos acordou a sociedade Norte-Americana, é certo, mas que com isso abordou velhas questões que ensombravam o universo e as histórias dos Comics e de quem as lia. Fruto de uma evolução, dir-se-ia natural, mas em vez, pela vontade do Stan Lee em humanizar os Comics e da aceitação indiscutível do público.
 No final da década de 60, Stan Lee, se calhar por já não ter mais lata de criar pessoal “super” por erros ou acidentes laboratoriais, sem fugir à ciência, voltou-se para a Natureza e nas observações e descobertas que a própria ciência ia nesse tempo vislumbrando. Dessa observância surgiu um novo tipo de “super”, os Mutantes (X-Men). Sucesso. Na senda da humanização dos personagens, estes ainda inspiravam mais a camada pré-adolescente: também eles poderiam ser uns potenciais mutantes! Da imaginação nascia um sonho que embora inverosímil, como o de se tornar um “super” convencional, acabaria por ser um bocadinho mais verosímil no pensamento naturalmente turvado dos pré-adolescentes: bastava nascer com um gene especial, latente, vitima dos tempos modernos, e a dado momento do despontar da puberdade…BAZINGA…és um mutante que inspira respeito (ou medo, ou reverência, ou desejo, etc.), de preferência (e com sorte) com muita pinta! Os Mutantes conseguiram enfatizar ainda mais as particularidades da sociedade moderna, em especial no período pós anos noventa. A proliferação de personagens mutantes terminou num aparente descontrolo o que originou uma “lavagem” à semelhança da rival DC Comics (“Crisis”) com a saga “House of M” sendo um género de “reset”, mas também e talvez um aparente aviso para o despertar de uma ainda maior consciência social.

Stan “The Man” Lee está há já muito tempo longe do comando da Marvel, embora figure nos créditos com o título “Chairman Imeritus”, e sem dúvida será consultado em muitas questões. Muitos projectos pessoais teve desde então, e estou certo que os continuará a ter. Eu espero por eles. Com 88 anos de idade (feitos em 28/12/2010) mantém-se firme na sua dedicação aos Comics, estando ultimamente mais empenhado nas novas películas “live-action”.
 Como curiosidade, repare-se nos nomes de alguns dos personagens criados pelo Stan Lee: Reed Richards; Sue Storm; Dr. Doom; Peter Parker; Black Bolt (Blackager Boltagon); Dr.Octopus (Otto Octavius); Green Goblin; Silver Surfer; Bruce Banner; Pepper Potts; Stephen Strange; Dredmund the Druid. Ou ainda: Fin Fang Foom; Dum Dum Dugan; Mogul of the Mystic Montain; Man Mountain Marco; J. Jonah Jameson. Perceberam? Os dois ou três nomes de cada personagem começam com a mesma letra. Durante algum tempo especulou-se sobre isso e, como sempre, andou-se atrás de um significado intelectual ou misterioso ou mesmo perverso para tal! Como quase sempre, também a explicação é simples e não implica nada de extravagante: Stan Lee criou-os assim apenas por ser mais fácil para ele lembrar-se dos nomes.

 A frase famosa “With great power comes great responsibility” foi criada um tanto ou quanto à pressa, segundo o próprio Stan numa entrevista que deu ao Kevin Smith (criador de Comics, realizador de cinema), para preencher um balão de narrativa que tinha sobrado numa vinheta de uma história na edição número 15 da revista Amazing Fantasy; a frase coube perfeitamente no balão de narrativa e acabou por se tornar icónica, mais tarde atribuindo-a ao tio, Ben Parker, de Peter Parker (Homem Aranha). Devido ao elevado número de Comics que Lee tinha que levar às bancas e ao baixo número de colaboradores com quem trabalhava, os textos não podiam ser escritos em forma de guião e enviados para o desenhador, não havia tempo. O escritor e o desenhador tinham uma reunião, presencial ou por telefone ou por carta, onde discutiam e acordavam a história que queriam transpor para o papel, muito sucintamente; o desenhador criava as vinhetas com os balões vazios, e com indicações nas margens para o escritor poder seguir a acção ou as ideias; o escritor criava os diálogos e imprimia-os directamente nos balões existentes nas vinhetas. Por vezes era o contrário, o escritor escrevia uma página e enviava para o desenhador que teria que fazer vinte pranchas com ela. Este processo tem o nome de Marvel Method e foi desenvolvido e aperfeiçoado pelo Stan Lee e os seus colaboradores iniciais, em especial Jack Kirby e Steve Ditko. Devido a este processo, é por vezes dado aos desenhadores créditos de co-escritores. O Método Marvel foi adoptado por outras casas e é ainda hoje utilizado, embora com muito menor frequência, sendo exemplos relativamente recentes: “Kingdom Come” ilustrada e co-escrita por Alex Ross e escrita por Mark Waid; “Marvels” ilustrada e co-escrita por Alex Ross e escrita por Kurt Busiek.
Outra curiosidade, que surge de um episódio recente da série “The Big Bang Theory”, prende-se com o facto de nela se dizer que os coleccionadores mais afoitos, digamos assim, dariam ao Stan Lee revistas da DC para serem por ele autografadas, pelo facto do Stan Lee ser Marvel e nunca ter trabalhado com a DC, tornando essa revista autografada numa peça de colecção raríssima! Bem…o Stan Lee já trabalhou com a DC, recriando vários personagens da DC com os grandes John Buscema, Joe Kubert, Jim Lee, Dave Gibbons, Kevin Maguire, John Byrne, Gary Frank, Scott McDaniel, Chris Bachalo, Walt Simonson, Jerry Ordway e John Cassaday (DC, “Just Imagine Stan Lee’s…” – 2001). Mas, realmente, uma revista DC de outro escritor que não o próprio Stan, autografada por este último, seria raríssima pois acredito que o Stan mais depressa mostraria “O Dedo” do que assinaria uma coisa dessas!
 Os Comics pós Stan Lee começaram a ter uma muitas vezes desconsiderada tarefa de educar uma enorme fatia da população mais jovem, cada vez mais alheada da realidade devido a um sistema educacional caduco. Não focando casos concretos, mas uma generalidade de assuntos da sociedade civil, chamando a atenção e fazendo pensar os mais atentos para os paralelismos indiscutíveis que são escrutinados nos Comics e que aludem a vida real. Claro que tudo com uma dose bem valente de ficção e fantasia, afinal são Comics de super-heróis. Mesmo os super-heróis convencionais são hoje, nos Comics, antes anti-heróis, a linha que separa o Bom do Vilão é bastante ténue, mas Maus há muitos e estes últimos viajam com frequência ora num lado dessa linha ora no outro dependendo da situação. De um outro post, onde abordei as questões morais, estas desvanecem-se e o mundo é encarado pelos leitores de Comics mais jovens de forma muito diferente da chamada “geração Disney” em que não podiam ser confrontados com violência ou alusões sexuais de qualquer espécie (ressalva-se a linha de animação Disney, que sempre teve a preocupação de mostrar que a vida tem sempre dois lados, daí a mãe do Bambi morrer, a mãe do Dumbo ser afastada deste, etc). Este fenómeno de influência foi já estudado nos EUA, e, por muito que a Indústria dos Comics queira fazer crer que não influencia os mais jovens, o que se observa é que realmente tem uma forte influência no pensamento, não se conseguindo provar a mesma no comportamento, mas, aqui entre nós, provado factualmente ou não, é óbvio que também o afecta, sem que com isto queira dizer que seja de forma negativa apenas.
Por tudo isto, e muito mais, com toda a certeza, é o Stan Lee um dos nomes maiores da BD no mundo. Ao visualizar uma nova abordagem dos Comics, de forma mais humana, tornou-os e a quem os lê mais maduros…embora os personagens continuem a vestir licra e spandex! Hehehe!
*EXCELSIOR. (palavra lema do Stan Lee; também do personagem Dr. Samuel Ferguson do livro “Cinco Semanas Em Balão” de Júlio Verne; Lema do estado de Nova York).