sábado, 1 de maio de 2010

MÜ, A CIDADE PERDIDA

Poderia ser um post referenciado como um Hall of Fame da BD Mundial (da qual faz parte pela Will Eisner Award Hall of Fame), mas não será porque neste específico post debruçar-me-ei apenas no álbum agora lançado pela Editora ASA e no mistério nele abordado . Este novo álbum que se encontra disponível apenas na cadeia de lojas FNAC é uma reedição, pois em parceria com o jornal O Público já tinha sido editado em Portugal. Mas esta é uma edição mais composta e que merece brilhar numa qualquer colecção. Ao contrário da primeira edição, esta é a cores (não será isto que a destaca) e traz-nos uma maravilhosa introdução de Marco Steiner com fotos de Marco D’Anna, que nos remete para alguns dos mistérios que ensombram ainda hoje a aparentemente recente História da humanidade. Todo o arranjo do álbum é bastante cuidado na edição cartonada e limitada a mil exemplares com um mini-poster de oferta por 33,5 euros; será em breve lançada a edição brochada.

Para quem conhece Hugo Eugenio Pratt no registo do seu mais famoso personagem, Corto Maltese, sabe da predilecção do autor em delinear para o seu anti-herói argumentos intrínsecos entre lugares, mistérios, fábulas, cultos, seitas, religiões, organizações menos claras, magia e a própria História. Desde a primeira história de Corto Maltese, que embora fosse uma balada lacónica entre a saudade, nostalgia, lealdade e amor, já a História ocupava um lugar cimeiro e o autor demonstrava uma atracção irresistível pelo esoterismo e pelos mistérios associados. Seja numa maravilhosa e espectacular “As Célticas” em tom “Shakesperiano” de um sonho de uma noite de verão a uma melindrada descrição revolucionária; seja numa “Fábula de Veneza” e seus misteriosos pátios repletos de símbolos cabalísticos, dos ofícios e das respectivas lojas que só os iniciados saberão interpretar e que estão ligados ao próprio nome de Corto Maltese (corto, pátio em italiano, do Maltês agora denominado pátio Contarini del Bovolo, em Veneza); seja “Sob o Signo do Capricórnio” e de uma magia milenar provida da sabedoria de quem será, eventualmente, secular, associada às crenças negras que floresceram nas cândidas terras e praias Sul-Americanas, em busca do passado e de um tesouro e à descoberta do amor; seja uma miríade de outras situações descritas nas fantásticas aventuras do lacónico marinheiro o esoterismo está sempre presente acompanhado de figuras, personagens, que acentuam ainda mais o tom que o autor transmite de uma realidade que parece ser sonhada, ou de um sonho que se assemelha à realidade. Destaco, de todos os personagens, o mais evidente, recorrente e constante: Rasputine (Raspa, para os amigos). Foi uma figura da História Russa, influente junto da corte no período final da Rússia Czarista, odiado por aristocratas e povo o monge era protegido da Czarina Alexandra Fedorovna, o que, ultimamente, não o salvou de ser assassinado; a mística e o comportamento devasso a ele associados valeu-lhe fama até aos dias de hoje. Hugo Pratt cria o seu Rasputine com semblantes, mística e vilanagem afamada muito parecidos ao real Grigori Rasputine, fazendo dele um improvável “comic relief” e um paradoxo enquanto personagem sendo uma das mais bem-amadas pelos leitores que acompanham as viagens do romântico e bem-intencionado marinheiro das argolas. Muitos outros personagens, mesmo os mais efémeros são também assim baseados em figuras da vida real e de outras obras literárias ou cinematográficas que o autor via como fundamentais e fascinantes para uma melhor construção do enredo, muito há semelhança da sua maior e assumida influência, Milton Cannif. Neste álbum, “Mu”, já no final, Corto Maltese encontra um velho chinês já moribundo de nome Soong; este é pai de um dos personagens da aventura de Corto na Sibéria (Xangai-lil) e, como esse personagem feminino, o pai também é baseado numa figura da História real (Charlie Soong, multimilionário Dragon Head da Triad).

“Mü, a cidade perdida” é o último título das viagens, aventuras de Corto Maltese. Serializada de 1988 a 1989 na revista de viagens Corto Maltese foi sem dúvidas a mais sonhadora de todas as aventuras de Corto; O autor, na narração: “E com este “até à vista”, começa a mais estranha das aventuras de Corto Maltese”. Reúne alguns personagens que já tinham acompanhado Corto em outras aventuras, se bem que a cronologia das suas aventuras seja sempre difícil de seguir, e outros personagens que aludem a figuras históricas como é apanágio do autor introduzir. Ligada aos mistérios que o mundo ainda nos oferece, existe um em particular que acende tanto o folclore popular como a sociedade científica e, dizem, até os departamentos estatais de informação privilegiada. Desde o fenómeno do Triangulo das Bermudas e os relatos a este associados, que até hoje carecem de alguma explicação científica, mas não de grande cepticismo, até ao desaparecimento da mítica civilização Atlante, já há muito referenciada por Platão, os fenómenos e as crenças abundam no imaginário colectivo. Umas com mais força do que outras pelos textos, contos, crenças e estranhos relatos (que teimam em desaparecer em situações que dificilmente se podem atribuir a acidentes) que ainda hoje perduram. Um desses mistérios é o de uma civilização muito antiga, anterior ou contemporânea à mítica Atlântida, que terá desaparecido há aproximadamente 12.000 anos atrás. Referencias a essa civilização encontram-se nas crenças populares e religiosas de muitas civilizações mais recentes, no entanto dispersas quando ainda o mundo era habitado por pessoas que desconheciam a existência de terras para além do mar que delimitava as suas. Mesmo na comunidade científica, embora não passando de teorias por enquanto impossíveis de serem de facto comprovadas, reúnem interesse e são consideradas como hipóteses com algum valor no contexto da arqueologia e da própria História da humanidade. O continente perdido de Mu ou também conhecido por Lemuria é um dos grandes mistérios da humanidade, sem dúvida, e não poderia ter deixado de ser objecto da enorme paixão de Pratt pelos mistérios, logo, de exploração para mais uma aventura do Corto Maltese. http://ilhadeatlantida.vilabol.uol.com.br/mapas/mupg.html (para terem uma ideia do mistério). http://pt.fantasia.wikia.com/wiki/Mu para melhor aprofundarem a questão do mistério. A paixão por este mistério está bem expressa na história deste maravilhoso álbum pleno de referências (chamo a atenção para os livros que estão nas prateleiras do barco do personagem Levi Colombia).

Não é certo se os mistérios de Mu e da Atlântida não serão o mesmo; se Mu desapareceu há 25000 ou se há 12000 anos atrás; se existiu (o que ajudaria a explicar muitas “buracos” na evolução e migrações do Homem) no Pacifico ou se no Indico ou (a mais provável) abrangeria os dois Oceanos: Lemuria, o outro nome porque era conhecida, deve-se aos Lémures de Madagáscar, ilha que possui uma fauna e uma flora que a distancia em termos evolutivos em dezenas de milhões de anos do continente Africano, mas onde se podem encontrar as mesmas espécies ou primos muito próximos na Malásia. A actividade vulcânica dos arquipélagos do Indico/Pacifico e a destruição de Krakatoa poderão apontar que o mesmo possa ter acontecido numa escala muito maior anteriormente e que o fenómeno tenha levado a um tsunami de proporções bíblicas, um dilúvio. Muitos dirão que se realmente tivesse existido um continente assim tão grande, com 65 milhões de pessoas, hoje já se teriam descoberto algumas provas disso. De facto já se descobriu muitas coisas que serviram apenas para adensar o mistério: as placas de Naacal; as ruínas de uma cidade afundada ao largo de Cuba; outra ao lado do Cambodja com cerca de 6000 anos e já conhecedores da escrita; o enganador código de Truano e o Popol Vuh Maia; o suposto “povo” Toltek, que terá sido uma má tradução e apenas quererá dizer o equivalente a “Construtor” em Maia, ou “Tekton” no Grego; as estruturas de Yonaguni ao largo do Japão; o mistério da ilha de Páscoa e as linhas de convergência geometricamente perfeitas entre as quatro hipotéticas cidades da passagem (Chichen Itzá, Posseidónis, Ur, Angkor) e a ilha de Páscoa e seus Moais a olharem para um céu de há 12000 anos atrás; os naturais de Páscoa, descobertos em 1722 eram polinésios de tez branca e cabelos ruivos, conforme as lendas de Mu; as crenças Khmer, Tamil, Hindu e Egípcia do Delta, assim como as pré-colombianas e algumas Maori convergem todas neste ponto, embora os membros das suas civilizações nunca se tivessem cruzado; as crónicas da antiguidade Grega, que se assumiam interessadas e já conhecedoras das lendas, ou histórias sobre a Atlântida e Mu, assim como a criação do mar Mediterrânico e as colunas de Hércules, pelo colapso do istmo mediterrânico; os contactos dos Fenícios com o dito muito antigo povo de Tartessos, descritos por Estrabão na sua “Geographia” e o conhecido cataclismo vulcânico nas Cíclades que varreram a civilização Minóica em 1500 A.C..

Hugo Pratt desde as primeiras páginas explora algumas destas particularidades da lenda e junta-lhe mais algumas, como o mistério do desaparecimento da aviadora solitária Amelia Earhart. Esta é uma história que para ser apreciada na sua plenitude deverá ser acompanhado de um particular gosto pelos mistérios da humanidade ou então de uns cogumelos mágicos. A forma como cada um as encara, caberá a cada um. É certo que Pratt era um sonhador e um viajante, seja em que sentido for e, mais uma vez, conseguiu traduzir com grande inspiração a lenda ou o mito num sonho digno de ser sonhado, neste caso lido. Que pena que este homem nos tenha deixado com apenas 65 anos, mas viveu mais do que muitos homens se tivessem vivido até aos 100 anos, estou seguro. Que sonhos, que lendas, mitos e mistérios teria ele ainda traduzido? Perdoem-me a saudade. Leiam este livro e queiram perceber para além do que está lá escrito e desenhado, o Hugo Pratt apela-nos em todas as suas aventuras para que façamos as malas e partamos por nós à procura do que ele também viu. Como qualquer grande viajante, Pratt gostava de partilhar as suas experiências, que o tinham enriquecido. As revistas que ostentavam o nome do seu personagem estandarte eram revistas de viagens e não de BD.

(As imagens aqui colocadas foram retiradas da internet, por eu não ter (ainda!) um scaner. A capa da edição Portuguesa é igual à colocada no cabeçalho deste post).

6 comentários:

Gio disse...

Conheço pouco a obra de Pratt e por isso não vou comentar o post e sómente marcvar presença com uma palermice "disco":
"OOH, OOH Rasputine, lover of the russian queen!"
Um abraço

refemdabd disse...

Boney M...hehehehe! Também me lembrei logo dos La Bionda: One for you, one for me.

Nuno Amado disse...

Com um post desses não vale a pena eu dizer nada sobre o livro... (xuíff), disseste tudo!
Abraço
;)

joaninha versus escaravelho disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Rafeiro Perfumado disse...

Numa cidade chamada MU, aposto que as mulheres são umas vacas!

João Amaral disse...

É de facto um livro interessante, que nos mostra mais uma vez o argumentista de excepção que era Pratt. Quanto a mim, é provavelmente um regresso ao lado mais aventureiro de Corto Maltese, depois de vários álbuns onde os ambientes eram mais citadinos. Penso é que o desenho, aqu,i nem sempre está à altura, a exemplo do que acontecia nas Célticas e nas Etiópicas que, quanto a mim marcam o apogeu de Corto Maltese e de Pratt, o seu autor. Mas isso é apenas a minha opinião, claro está. Um abraço.