sexta-feira, 13 de junho de 2008

AND NOW...SOMETHING COMPLETELY DIFFERENT:

Roubando esta famosa frase aos Monty Python começo este pequeno post a um dos mais famosos Comic/Revista de sátira: MAD Magazine…e, pois está claro, ao “usual gang of idiots” que a criou e ainda hoje, os que ficaram, a trazem até nós. Esta frase poderia muito bem ter sido aquela que antecedia o título MAD; no entanto a frase que antecedia o título era “Tales to calculate to drive you…”, que constituía uma paródia aos famosos contos policiais radiofónicos do seu tempo: “Tales well calculated to keep you…in suspence”. A outra frase vertical, “Humour in jugular vein” era por si só uma antecipação ao seu interior satírico.
Será um pequeno post, pois tudo o que há para dizer sobre este Comic/Revista e tudo o que nela se englobou e engloba seria trabalho para um largo compêndio, qual ensaio académico. No entanto, já havendo muito – ou pelo menos, algum – material publicado sobre este famoso pasquim, para quem quiser ler e aprender mais será fácil.
Eu fui apresentado a esta revista nos idos anos 80, já ela ia no número 269 (Março de 1987), em que a capa – a imitar a TIME Magazine “Man of the year” – era uma sátira a uma das figuras que ensombravam a relativamente recente MTV – Max Headroom – onde, como é costume, a figura de proa e que logo identifica a revista se “disfarça” de Max. A MAD só a muito custo se encontrava, sendo para isso necessário correr os hotéis que possuíam banca de jornais e revistas internacionais, pois mesmo esses hotéis não a recebiam com regularidade; a Livraria Barata também era paragem obrigatória, pois possuía, provavelmente, o melhor escaparate de revistas de BD internacional em Lisboa a par com a Linhares.

A versão Brasileira, embora tivesse debutado em 1974 pela chancela da Vecchi, só na década de 80 é que se tornou fácil de encontrar nos nossos escaparates. Nunca, na minha opinião, chegou aos calcanhares da original, pese o facto de possuir muita arte da original e também ter muitos artistas Brasileiros dotados e com muito material nacional – social e politico – para satirizar. Já conta com cinco edições: Vecchi; Record; Mythos e Panini que ainda a publica.

Fundada em 1952 pelos lendários William Gaines e Harvey Kurtzman é hoje, e desde há muito tempo, a última sobrevivente da clássica e aclamada linha EC Comics (estão agora disponíveis os HC – um para cada linha - compilando os seus respectivos números). Há muitos anos atrás, estava disponível na infelizmente já desaparecida Linhares (Meca dos Comics e BD internacional em Lisboa) a primeira edição slip-cased hardcover da Tales from the Crypt e MAD Magazine, entre outras maravilhosas relíquias.
Sobre os seus fundadores também existe muita coisa a dizer, não estivessem eles entre os mais controversos, geniais e inovadores mestres dos Comics Americanos.
Escrever sobre a carreira e a vida destes Srs. é indissociável da MAD.

O Harvey Kurtzman nasce em 1924 no bairro de Brooklyn, em Nova York, e depois de muita história de vida ver-se-á como editor da MAD em 1952. O aparecimento do Comic surge de uma disputa salarial em que o Harvey se julgava discriminado em relação ao seu outro colega editor, Al Feldstein. O Al era editor de mais Comics da linha EC e reconhecidamente mais rápido a produzir. Foi então proposto ao Harvey, pelo Bill Gaines, a edição de um Comic humorístico e se o fizesse com sucesso veria os seus honorários crescer; assim nasceu a MAD. Poucos anos depois, foi-lhe feita uma proposta para um novo trabalho; o Bill Gaines, não querendo perder o Harvey, decidiu um novo up-grade ao Comic – ao fim de 9 números já tinha passado de bi-mensal a mensal – agora, depois de 23 números como Comic Book, ao vigésimo quarto, mudou o seu formato para Magazine – de $0,10 passou a custar $0,25 – mantendo assim no seu cargo o seu principal impulsionador e ao mesmo tempo contornando a nova ordem que imperava sobre os Comics (já lá vamos!). Em 1956, no ano em que a MAD cresceu bastante, enquanto os outros títulos EC já tinham sido completamente abandonados, levantou-se um caso que ainda hoje é polémico: reza a história que o Harvey pediu ao Bill 51% do negócio deste, por achar que o sucesso da revista se devia apenas a ele; o Bill, então, substituiu-o pelo Al Feldstein e o assunto ficou arrumado. Tendo saído da revista, passou por muitas outras publicações de grande qualidade, embora efémeras; exemplos: “Trump”; “Humbug” (que vai ser editada em slip-case HC brevemente) e “Help!”. Dentro do trabalho produzido para a muito efémera e valiosíssima Trump (dois números em que o Publisher era o conhecidíssimo Hugh Hefner) destaco o seguinte: quem alguma vez leu uma Playboy Norte-Americana – para além de ver as belas Playmates – se calhar conseguiu chegar às últimas páginas, onde estavam impressas umas pranchas de um comic um bocado ordinário e cheio de um humor muito à parte daquilo que era usualmente visto; o personagem chamava-se Little Annie Fanny (disponível na Amazon.com em dois volumes) e o seu autor era o grande Harvey Kurtzman. O Harvey deixou-nos com saudades ao partir em 1993. Dele ficou um histórico e impressionante acervo e um prémio com o seu nome, para além da sua herança, que predomina no humor característico com que nos brindou ao longo de décadas. Nessa altura foi editado um álbum, onde se reuniram muitos dos artistas seus amigos e principais admiradores que confessavam fortes influências, esse álbum foi publicado pela Meribérica com o título “Estranhas Aventuras”. Muito mais havia para escrever sobre este artista/autor/editor para lhe fazer completa justiça.

O outro responsável pela criação do título MAD foi o seu “Publisher”, William Gaines, nascido em 1922 tendo partido para o outro paraíso em Junho de 1992. A forma do como e porquê deu ordens para a criação da revista já foi descrita no parágrafo anterior. Este Publisher é também autor de muitos e muitos textos humorísticos e é pedra basilar no estabelecimento dos Comics como arte respeitada. Empreendeu grandes lutas contra as forças que se interpuseram aos Comics, sendo a CCA a mais famosa (Comics Code Authority) – associada da CMAA (Comics Magazine Association of América). Foi também alvo de um inquérito da Sub-Comissão do Senado Norte-Americano para a Delinquência Juvenil, após ter sido publicado o livro “Seduction of the Inocent” (1954) do Dr. Frederick Werthman. Este autor, no seu livro, defendia a tese de que os Comics eram leituras para crianças e, por tal, deveriam ser alvo de séria análise (leia-se censura) antes de publicados…passo a descrever a mais importante parte do interrogatório da sub-comissão:
Chief Counsel Herbert Beaser: Let me get the limits as far as what you put into your magazine. Is the sole test of what you would put into your magazine whether it sells? Is there any limit you can think of that you would not put in a magazine because you thought a child should not see or read about it?

Bill Gaines: No, I wouldn't say that there is any limit for the reason you outlined. My only limits are the bounds of good taste, what I consider good taste.

Beaser: Then you think a child cannot in any way, in any way, shape, or manner, be hurt by anything that a child reads or sees?

Gaines: I don't believe so.

Beaser: There would be no limit actually to what you put in the magazines?

Gaines: Only within the bounds of good taste.

Beaser: Your own good taste and saleability?

Gaines: Yes.
Senator Estes Kefauver: Here is your May 22 issue. (Kefauver is mistakenly referring to Crime Suspenstories #22,May) This seems to be a man with a bloody axe holding a woman's head up which has been severed from her body. Do you think that is in good taste?

Gaines: Yes sir, I do, for the cover of a horror comic. A cover in bad taste, for example, might be defined as holding the head a little higher so that the neck could be seen dripping blood from it, and moving the body over a little further so that the neck of the body could be seen to be bloody.
Kefauver: You have blood coming out of her mouth.

Gaines: A little.

Kefauver: Here is blood on the axe. I think most adults are shocked by that.

Esta translação do inquérito é parte integrante da História dos Comics e da MAD, pois devido a esta “perseguição” a crise nos Comic Books iniciou-se; a MAD passou de Comic a Magazine (número 24) para se esquivar das restritivas regras da CCA (impostas em 1955), podendo assim o seu criador continuar a dar livre azo à sua criatividade. A título de curiosidade, a mensagem que o número 24 traz dentro é :"Buy this Magazine".

O William Gaines era o principal responsável pela publicação dos títulos EC Comics – são as siglas para Educational Comics e também Entertaining Comics – onde os seus mais conhecidos títulos adaptavam histórias bíblicas. O Bill encontrou o seu nicho nas histórias de terror, ficção-cientifica e fantasia; dos títulos mais conhecidos destaco o famosíssimo Tales From The Crypt; Shock SuspenStories e Two-Fisted Tales. Em finais de 1954 a linha EC começou a sofrer um grande revés, acabando por ser cancelada em 1955, muito pelas razões mencionadas supra. A MAD, por ser extremamente lucrativa, foi salva pela família Gaines, tendo continuado a ser publicada.

No início, a MAD, para além do já referido Harvey Kurtzman, tinha nos seus quadros os criadores/artistas Bernard Krigstein e Russ Heath; estes eram, na época, o reduzido “the usual gang of idiots”, embora o termo só ter começado a ser publicado nos créditos da revista muitos anos depois. Refira-se também, embora só tenha entrado em dois números da revista, tendo a seu cargo a capa do número 11, o artista Basil Wolverton, conhecido ainda hoje pelos seus desenhos grotescos e por si próprio professado como “Producer of Preposterous Pictures of Peculiar People who Prowl this Perplexing Planet”.

Como já tinha escrito, aquando da saída de Kurtzman deu-se a entrada de Feldstein (número 29), este último manteve-se no cargo de editor até 1984 – a MAD tinha um tiragem de mais de dois milhões de cópias por Mês – depois de ter estado 28 anos “sentado” no cargo. A entrada de Feldstein para editor da MAD coincidiu com uma nota da TIME que escrevia que a MAD era uma efémera revista pulp satírica; a própria TIME, hoje considera a MAD como a revista com mais sucesso nos anos 50, a par com a TV Guide e a Playboy, "engolindo" sem pudor a sua nota. Após a saída do Al entraram, como equipa, Nick Meglin e John Ficarra; este último ainda hoje se encontra à frente da edição da revista.

Querendo aqui apenas referir o impacto económico-político-social que a revista causou, embora relevante e no meu entender muito interessante, seria uma tarefa extenuante e em que me arriscaria a aborrecer-vos (ainda mais) se aprofundada com as devidas referencias, pois a ramificações são inúmeras, logo, extensas. Posso apenas dizer que desde lutas legais com o gigante Coca-Cola, entre outros; políticos como o Richard Nixon ou George Bush; e sociedade Norte-Americana, desde os puritanos aos extra-liberais, passando pelos patriotas, tudo aconteceu à, e com, a MAD.

Nas suas páginas desfilaram e desfilam os melhores autores/artistas, dos tempos idos e dos contemporâneos, com os seus recorrentes artigos, tais como: “The Lighter Side of…” do inesquecível Dave Berg; “Spy vs. Spy” do saudoso António Prohía; os Gags do também saudoso Don Martin (editados na integra em dois luxuosos HC slip-cased volumes – também o seu ghost-writer Don “Duck” Edwing (figuras marginais, mas de muita importância nos comics que valerão um futuro post); “A MAD look at…” e as “MAD Marginals” (também em formato XXL) do hilariante Sergio Aragonés; As sátiras às séries de TV e aos filmes, onde destaco o Mort Druker como artista e a relativamente recente paródia cross-over feita às séries Sex in the City e Deadwood, onde as protagonistas da primeira são contratadas como prostitutas para o Gem Saloon; “Snappy answers for stupid questions” do prolifico Al Jaffee; e claro, a “MAD fold-in”, que dispensa apresentações e que valoriza brutalmente a revista, quando não efectuada. Faltam aqui dezenas e dezenas de nomes que também muito justamente mereceriam a devida vénia.
Para terminar, teria que escrever sobre o rapazinho mascote da MAD…pois está claro!!! Nunca ficaria completo – mesmo que sucintamente – um post à MAD, se não se escrevesse sobre o ALFRED E. NEUMAN!
“WHAT, ME WORRY?” é a famosíssima frase do rapazinho com ar de, para uns, de totó, para outros, de maluco. O que é certo é que o Alfred, desde que debutou na capa da MAD número 24 – first cover appearence – embora só na capa do número 30 (1956) é que contará com capa só para si, o AEN raramente deixou de aparecer numa das 490 (Junho 2008) capas da revista, exemplos: a número 233, onde aparece o Pacman e a número 254. A sua primeira aparição é em 1954 na Ballantine’s The MAD Reader (compilação dos dois primeiros anos da MAD).
Mas esta figura caricata não é original criação do responsável pela sua fama, é um pictograma já conhecido pelo menos desde 1908 (à esquerda) e 1921 (à direita), mas foi adoptado pelo Harvey Kurtzman e adaptado pelo Bill Elder (a P&B) e depois, definitivamente, pelo Norman Mingo (a cores). Mesmo muito antes de 1908, em 1868 já se conheciam as caricaturas aos “Mik”, nome pejorativo dado aos Irlandeses, que eram já muito parecidas com a do Alfred E. Neuman; isto fez com que a MAD e o seu primeiro editor tivesse que defender em tribunal a propriedade da imagem do AEN para que permanecesse registada à revista. O nome Alfred E. Neuman foi retirado de um programa de rádio dirigido pelo comediante Henry Morgan, onde aparecia um personagem inócuo – do género, passado cinco minutos já não nos lembramos dele!) e que se chamava Alfred Newman – alusivo, mas sem relação, ao compositor oscarizado; agora, não me perguntem qual o nome que o “E.” representa, pois até hoje nunca consegui saber com toda a certeza (se calhar referência ao Henry, emudecendo o “H”). Uma curiosidade é que o Alfred nunca foi desenhado de perfil, mas sempre de frente, de costas ou então em silhueta. Outra curiosidade prende-se com a frase famosa acima assinalada “What, me worry” só por apenas uma vez ter sido alterada para “YES, me worry!”, depois do desastre nuclear de 1979 na Ilha de Three Mille. Foram, no entanto, feitas adaptações a outras línguas, mesmo a línguas mortas: “Quid, me vexari?”. Cada vez que existem eleições, lá vem o eterno candidato AEN com o seu também famoso slogan “You could do worse…and always have!” (MAD cover #218 que é um remake da capa do #30). Por incrível que possa parecer, sendo o Alfred uma das caras mais reconhecidas nos EUA, a revista que mais números vendeu foi o número 161 (Setembro de 1973) que satirizou o filme Aventura no Poseidon (versão 1973) e onde apenas aparecem os pés do Alfred.
Traduzida e/ou adaptada em 24 Países e para 17 línguas (na Índia é publicada em Inglês), é ainda hoje um enorme sucesso, com o qual eu me delicio todos os meses.
Para quem a quiser adquirir, hoje em dia não é muito difícil: é procurar uma daquelas tabacarias que a receba, se a começarem a comprar o distribuidor continuará a colocá-las nesse spot. O mais cómodo e mais fiável é irem à BDMania e fazerem uma standing-order; se não morarem na grande Lisboa, fazem-na online que o serviço ao cliente é excelente.

Para quem sobreviveu até ao fim deste post, pois os meus parabéns!

Agradecimentos especiais ao Doug Gilford, pelas capas aqui colocadas (maldito scaner e dono – eu - que é um nabisso!); O Doug é provavelmente o maior coleccionador de revistas MAD, o seu site é um autêntico babanço (não digo “inveja”, porque é feio!) para quem é coleccionador destas revistas: http://www.collectmad.com/madcoversite/ . Vejam a opção “Spice up your Mad covers the Bradford way!” Quanto ao resto, tudo serviu: a memória, os meus livros enciclopédicos sobre Comics e sua História e a Wikipédia (que repete os livros e dá mais algum material).

2 comentários:

DC disse...

Bem, isto é que foi uma valente aula de História. Nem o Hermano Saraiva conseguiria melhor.
Essa censura enraizou-se tanto que ainda hoje a BD não se livrou de alguns estigmas que o CCA criou.
Hoje é possível apanhar quase todas as antigas linhas da EC em HC. Desde há uns anos para cá que os estão a reeditar tudo em HCs relativamente baratos. Outra editora (Papercutz) também pegou nesse título e tem feito umas coisas mas não chegam nem aos calcanhares do Tales from the Crypt original.

Nuno Amado disse...

Sobrevivi !!!!!
Ufa, grande post Pedro... não tenho nenhuma revista Mad, mas li muitas na minha juventude (e adorava). Como o Diogo disse: grande aula de história!!