terça-feira, 21 de abril de 2009

TEBEOS

Escrever sobre a BD Espanhola seria um trabalho hercúleo, devido à rica história da arte sequencial dos nossos “hermanos”. Como a nossa história (da BD em Portugal) é rica, também a de Espanha o é, atrevendo-me, sem medo, a escrever que é maior que a nossa. Não será de espantar que assim seja, nem que seja pelos números comparativos da população.

Começou, como noutros países, ainda no séc. XIX, especializando-se na sátira política. O primeiro intento foi com “En Caricatura”em 1865, não passando de um acto solitário, não tendo logrado. Há semelhança com o nosso Raphael, foi Apeles Mestres o verdadeiro introdutor do género em Espanha com as suas histórias e crónicas a serem publicadas na Catalunha em revistas como a “Granizada”, já no final do séc. XIX. Mestres foi o impulsionador da arte dos “comics”, arrastando com ele uma plêiade de ilustradores e artistas que viram no género uma forma de se expressarem e, claro, uma forma de vida.
Em 1915, na Catalunha, surge a primeira publicação que se dedicou exclusivamente aos comics: “Dominguín”. Artistas como Apa, Llaverias, Opisso, entre outros, trabalhavam para um público adulto. Estes pioneiros abriram o caminho para Joaquín Buigas Garriga, que adquiriu a revista “TBO” e a transformou ao seu estilo, tendo atingido um sucesso fenomenal. Esta revista notabilizou-se e notabilizou autores como: Donaz, Urda, Rapsomanikis, Opisso, Nit, Francisco Mestre, Sabatés, Serra Masana, Salvador Mestres, Cabrero Arnal, Moreno, Benejam, Coll, Muntañola, Arnalot, Tur, Bernet Toledano e muitos outros mais. Foi a época clássica do "comic" (ou "comix", como preferirem) Espanhol.
A TBO foi de tal forma importante na história do “comic” Espanhol que originou, reconhecido pela Real Academia da Língua Espanhola, a palavra “tebeos”, designação genérica dos “comics” em Espanha.
O sucesso da TBO leva ao aparecimento de outras publicações de menor sucesso, como a “Pulgarcito” e, uma década depois desta, a “Pocholo”(1931), entre outras. A “Pocholo” era um grande semanário e foi a primeira publicação em que os seus artistas começaram a “imitar” o estilo Norte-Americano do cartoon.
Em 1936 a revista “Mickey” faz a sua aparição em Espanha. Revista com uma estética muito própria, extremamente próxima das congéneres Norte-Americanas, contava com um rol de grandes artistas Espanhóis, que se dividiam entre o estilo realista e o humorístico: Cabrero, Moreno, Arnal, R. Rojas, Sabátes, etc.
Também deverei referir-me às publicações da Bruguera: “Calderilla”, “Camaradas”, “La Allegria Infantil”.

Em 1936 começa o período negro da BD Espanhol e, mais importante, da própria Espanha: A Guerra Civil.

Até ao fim da Guerra Civil Espanhola, 1939, não houve, obviamente, qualquer evolução no “comic”. Mesmo depois do final da Guerra e por algum tempo, devido à escassez de matérias-primas, à fome, à perda das liberdades pessoais e à consequente censura militar do regime, culminando com o estalar do conflito Mundial, o “comic” Espanhol ressentiu-se fortemente. No entanto, e contra todas as perspectivas, surgiram nesta altura alguns dos mais reconhecidos autores de “comics” Espanhóis.

Em 1940, emerge “Roberto Alcázar y Pedrín”, um “comic” de muito fraca qualidade que empregaria uma linguagem populista de expressões vulgares que ia muito de encontro à idiossincrasia da Espanha da pós-guerra. Nem os mais optimistas, na época, imaginariam o enorme sucesso que essa publicação alcançaria, tornando-se um fenómeno de vendas no País, chegando a número um nas vendas.

Embora desde 1940 que a “TBO” tenha sido resgatada, sem uma periodicidade certa, só mais tarde logrou em se tornar novamente em referência no panorama dos “comics” ditos clássicos.

Outro fenómeno foi o personagem de aventuras estilo “capa e espada”, "El Guerrero del Antifaz" (1944). Trouxe mais de 20 anos de aventuras de “espadeirada”, resgates de princesas em apuros, duelos e batalhas épicas que fariam sonhar gerações de crianças Espanholas, despertando o maior gosto pelos “comics”. Este personagem introduz o género “continua” nas publicações de “comics”.
Foi tal o sucesso do “El Guerrero del Antifaz”, que se sucederam “copy-cats”. Nenhum esteve à altura do original. A magia do traço de M. Gago contribuiu muito para tal, assim como a riqueza dos textos que acompanharam esse personagem.

“Jaimito” (1945), ao estilo da “TBO”, não vinga ao nível desta última. Dedicada a um público mais infantil, merece, no entanto, referência.

Em 1947, a “Pulgarcito” voltou e foi uma lufada de ar fresco no panorama das publicações “comics”. Transformada por Rafael González, muniu-a de uma força de jovens artistas, no entanto já experimentados, introduziu-lhe esperança e um grito de liberdade, sorrindo assim ao futuro, despregando-se das recentes tragédias da guerra e pós-guerra. Dos seus personagens com maior sucesso destaco “Mortadelo y Filemón”, muito conhecidos entre nós e mesmo entre o público Brasileiro (teve publicação em formato gibi).

Da Editora Bruguera saíram algumas publicações de cariz mais intelectual, adulto, como: “DDT”, “Magos del Lapiz” “Tiovivo” e “Can Can”. Algumas foram o trampolim da chamada “Escola Bruguera”.

No género “temático” surge em 1948 a publicação “Hasañas Bélicas”. Criado por Boixcar, possuidor de um estilo de grafismo minucioso que atraía os leitores, relatava vivências pessoais com a guerra em pano de fundo. A título de curiosidade, foi das únicas publicações conhecidas que fazia com que os soldados Alemães da II Guerra Mundial fossem os “bons da fita”. Obviamente, era agraciada pelo poder militar fascista vigente.

Em 1954, “Diego Valor”, introduz a ficção-cientifica, se bem que de cientifica tinha muito pouco. Com um desenho primário, foi fruto de um bem maquinado marketing.

“El Capitan Trueno”, de 1956, segue os passos do “El Guerrero…”, com bastante sucesso. A certa altura da publicação, quando era bastante apreciado, teve autores e artistas como Víctor Mora, Ambrós, Pardo, Fuentes, etc, os quais contribuíram bastante para o referido apreço.

Há semelhança de Portugal, também Espanha teve revistas de “comics” próprias para o género Feminino. Entre 1940 e 1970 foram várias as publicações, tanto em suplemento como especializadas: “Mis Chicas”; “Azuzena”; “Florita”; “Mary Noticias” e “Lilían Azatafa del Aire” serão as mais importantes.

De referir que, muito há semelhança com o resto do mundo bedéfilo, quase todos estes “monstros sagrados” dos “comics” Espanhóis não sobreviveram até hoje a não ser na memória dos mais antigos. Como nós, em Portugal, nomes grandes da arte sequencial acabaram por desaparecer das publicações (no nosso caso especial, até as publicações desapareceram!) regulares. Uns substituídos por um estilo mais adulto, na transição das idades dos leitores; outros pelo estilo ter caído em desuso, tornando-se ultrapassado pelos gostos das novas gerações. No caso Espanhol, praticamente nenhum ascendeu à condição de Mestre da BD. Casos destes só mesmo na Bélgica e França abundaram. Com a excepção do grande Francisco Ibañez, ainda hoje, depois de mais de cinquenta anos da sua criação, são regularmente publicados: “Mortadelo e Filemón”.

É claro e absoluto que nomes como os de Jesus Blasco, Emílio Freixas, Moreno, Castanys, Puigmiguel, Iranzo, Porto, Hidalgo, Roso, Borne e muitos, muitos outros (até o grande Mestre Português ET Coelho - muito considerado em Espanha e no Mundo, convenhamos - ao ponto de ser incluído na História da BD Espanhola), para além dos já noutros parágrafos atrás referidos, farão sempre parte do panteão dos grandes artistas Espanhóis. Criadores do “Chicos”, “Cuto”, “El Coyote” e “El Campéon”, para além dos já referidos supra não serão esquecidos. A História não os deixará morrer, nem quem gosta de BD se atreverá a tal.

A partir dos anos 70, o “comic” genuinamente Espanhol começa a definhar. Os Editores homologam os seus formatos com os do resto da Europa e perde-se o típico formato 17x24. O “comic” clássico Espanhol, um dos mais importantes da Europa, desaparece e no seu lugar surge o formato Franco-Belga. Não desaparecem os autores e artistas Espanhóis, pelo contrário, surgem novos nomes de grande mestria, a par de outros já existentes, que se afirmarão como estrelas no firmamento da BD Mundial. Nomes, embora Espanhóis, nem todos são de Espanha: Carlos Giménez, Hernandez Palácios, Victor, Chiqui e Ramón de la Fuente, Carrillo, Maroto, Arranz, Brocal, Jan, Bernet, Jodorowski, Quino, Mora, Trillo, Risso, Breccia, (Sanchez Abuli, embora nascido em França, já está radicado em Espanha há tanto tempo, que merece aqui figurar, para além do seu nome ser Espanhol, claro), Font, Ortiz, Prado, Gallardo, Max, Ribera e muitos outros.

Revistas que abundaram em Espanha a partir dos anos 70/80 e que fizeram história na minha geração não podem ser ignoradas: “Totem”, “Bomerang”, “Zona64”, “El Víbora”, “Cimoc”, “Comix”, "Metal Hurlant", "1984", entre outras, fizeram as minhas delícias. Ainda hoje as visito com frequência. Nelas abundavam o que melhor se fazia no mundo da BD Franco-Belga e não só. Os álbuns da “Totem” eram também excepcionais em conteúdo, assim como os da “Norma”, ainda hoje existente.

Ainda hoje a BD é muito forte junto dos nossos vizinhos Espanhóis. Blogs de grande qualidade abundam. Ficam aqui alguns urls desses Blogs que merecem visita, principalmente pela qualidade excepcional dos conteúdos dos mesmos:

http://tebeosparaestranhosestrangeiros.blogspot.com/

http://comic-historietas.blogspot.com/

http://unollodevidro.blogspot.com/

http://comicsenextincion.blogspot.com/

http://coleccionistatebeos.blogspot.com/

Principal fonte para este post: Museu da BD Espanhola, os meus agradecimentos.

9 comentários:

Diabba disse...

O teu poder de síntese deixa-me extasiada! hihihihi

(saindo a saracotear a cauda)

enxofre

Nota: já disse que o diabbo-marido não sabe ler espanhol?? Biba!!!

Nuno Amado disse...

Como no post anterior, sou bastante ignorante em relação à BD espanhola mais antiga. Apenas conheço os nomes que referiste mais no fim do post. E sim, têm grandes artistas, os espanhois!
Já agora... o Jodorowsky não é chileno e o Quino argentino?

Abraço

Nuno Amado disse...

Diabba
Não sei espanhol, mas sei ver os bonecos! :P

Ismael Sobrino disse...

Parabens pelo artigo, poderia incluir-se em qualquer jornal.

Ollo de Vidro disse...

Acho que sim!

Disimule o meu pésimo portugués. O artigo é, efectivamente, moi completo e amosa un fondo coñecemento. Permítame que lle diga que si ihai, se cadra, un otro autor que goza do recoñecemento xeral e unánime como grande mestre da BD ibérica. Falo de Carlos Giménez, especialmente coñecido por "Paracuellos" pero que ten unha extensa e notable obra. O autor é estes días candidato ao prestixioso premio Príncipe de Asturias, tras unha campaña iniciada polo debuxante gaditano Carlos Pacheco e unha chea de adhesións de entidades e lectores. Oxalá teña sorte.

Saiba que ten vostede un lector máis.

Ah, e graças pola ligazón! Nao son merecente...

Nuno Neves disse...

Muy bien. Un artículo muy interesante! :)

Peca só por não ter explorado mais a vertente dos autores espanhóis. Não sou nada conhecedor de tebeos, mas relativamente a BD em formato de álbum, reconheço aqui o grande talento dos “nuestros hermanos”.

No que diz respeito a séries/personagens destaco sem dúvida o Torpedo 1936, da dupla Sanchez Abuli/Jordi Bernnet, que aliás é “só” uma das minhas BD’s preferidas e a magnifica série “Blacksad” da dupla Juan Diaz Canales/Guardino. Também fazem parte da minha bedeteca, nomes como Miguelanxo Prado e Das Pastoras (este apesar de não me convencer, mas o Metabarão assim o obriga!). E depois do FIBDA do ano passado fiquei absolutamente rendido à arte de Esteban Maroto. Conheço ainda Carlos Pacheco via comics americanos.

São nomes que vem assim á memória e que são bem ilustrativos do grande talento dos espanhóis em matéria de BD!

refemdabd disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
refemdabd disse...

Diabba: Condensar 144 anos de história da BD em tão poucos parágrafos não é fácil. Foi apenas um pequeno post que, com certeza, mereceria muito, mas muito mais.
Ler Espanhol não é difícil, basta ter um dicionário ao lado para as palavras que não coincidem com as nossas, ou para aquelas que embora coincidem, não significam o mesmo.

Sim Bongop, são. Como o Trillo e o Risso são Argentinos também; o Breccia é Uruguaio e o Hector é também Argentino. Eu escrevi que nem todos são Espanhóis, mas os nomes são.

Ismael: é demasiada simpatia tua. Muito obrigado.

Ollo de Vidro: sou um habitual leitor do teu blog, embora nem sempre comente. Muito obrigado pelas tuas palavras e agradeço a tua visita.
Falei do Carlos Giménez neste meu post, embora não me tenha debruçado sobre as maravilhosas obras dele (nem de nenhum outro, aliás). Já sabia do prémio Príncipe das Astúrias; espero que ganhe.
És merecedor, pois claro.

Verbal: ser-me-ia praticamente impossível incluir as obras mais importantes destes grandes autores e artistas sem aumentar exponencialmente o tamanho do post.
Não incluí todos os nomes que, sem dúvidas, mereceriam referências; Juan Díaz Canales, Juanjo Guarnido, Julio Martínez Pérez (Das Pastoras) e mesmo Carlos Pacheco foram alguns; outro, que eu também gosto bastante e ficou de fora, é o Daniel Torres.
O "Torpedo 1936" também é um dos meus favoritos. Li o teu post sobre ele. O Alex Toth não se aguentou à pérfida do malandro e quis um "duro de bom coração". O Abuli não foi na conversa (ainda bem!).
Espanha é um poço de talentos, que já nos deu (e creio ainda que nos irá dar) grandes Mestres da 9ª arte.

Unknown disse...

MUITO BOM ASSIM SE TRANSMITE CULTURA Ao POVO
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