Já por algumas vezes alguns amigos que vão a minha casa, e que lá vão dando uma olhadela neste espaço, me têm perguntado porque é que eu, neste espaço, dou tanta ênfase aos comics quando o que eles vêm mais nas prateleiras de minha casa é BD Franco-Belga? Pois, realmente o que está mais visível, por estarem nas prateleiras, são os álbuns de BD Franco-Belga; os comics estão todos encaixotados e por serem menos volumosos não parecem ser mais (mas são), e as caixas, por sua vez, estão guardadas nos armários. Por outro lado, os hardcovers Norte-Americanos e TPBs, apesar de serem já alguns, são relativamente recentes no mercado editorial comparado com as edições Europeias em formato de álbum. Mas não sei se têm razões ao apontarem que dou pouca visibilidade aos álbuns de BD ditos Franco-Belga que lá estão expostos, pois tenho tido o cuidado de variar o conteúdo deste blog. Uma vez que não sigo um padrão de anunciar neste espaço novas publicações ou novidades no mercado editorial na generalidade (mesmo nos comics), comprometo-me a dar mais visibilidade a esses álbuns e aos seus magníficos autores (tenho que comprar um scaner!).
É um autor muito atento ao mundo, seja na sua beleza bucólica seja na espécie inteligente (?) que nele habita. Em 1988, pela Humanöides Associés publica o seu primeiro trabalho na BD: “Chienne de Vie”(“Quotidiano Delirante”), onde retrata de forma mordaz e plena de sarcasmo o comportamento social Humano. O sucesso foi imediato e logo se seguiram outras obras onde pôde abordar outras formas de se observar o comportamento Humano. Ainda em 1988 publica um magnífico trabalho onde vislumbra uma hipotética História do comportamento Humano enquanto ser social, com cenários verdadeiramente visionários que culminam num optimístico mas atribulado processo evolutivo para a espécie Humana, onde os Simios e os Cetáceos Delphinidae (vulgo Golfinhos) ocupam um lugar especial; é um trabalho humanista de grande profundidade e que para mim será um dos seus melhores registos: “Fragmentos das Enciclopédia Délfica”. Em 1989 retorna ao registo do seu primeiro álbum com o título “C’est du Sport” (“Crónicas Incongruentes”). Em Portugal, não se seguindo a cronologia de publicação dos títulos em Francês, não é por isso que o trabalho do autor se perde numa lógica de afrontamento com a sociedade civil. Desde a observância de situações que poderão parecer serem levadas ao extremo pelo autor, como também no caso da “Mansão dos Pimpões”, a verdade é que não existe extremismo algum e que as coisas se processam, ou pelo menos se sentem, exactamente dessa forma, deixando o bom cidadão, aquele que é honesto, cumpridor, civilizado, bem-educado ou simplesmente com “vergonha na cara” completamente desarmado pela súcia de FDPs (que não merecem outro nome) que cada vez mais se vão semeando por este mundo fora! Aquela campanha televisiva Portuguesa que aludia à necessidade de criar consciência cívica encontrava exemplos que apenas roçam o que o “Chico-esperto” é capaz de fazer (“Portugal não é só teu”, lembram-se?). Miguelanxo Prado consegue chafurdar no “Chico-espertismo” abundante na nossa sociedade e sempre levados em conta com orgulho pelos que o encaram como modo de vida.
Não é só o escarnecimento da sociedade civil que Miguelanxo Prado explora. A exploração do Homem também é seu apanágio e fá-lo com absoluta distinção na obra “Traço de Giz”, onde se debruça sobre a capacidade de sonhar do Homem e pela sua, por vezes, incapacidade de distinguir o sonho da realidade. Com este álbum ganhou o seu segundo prémio em Angoulême. O primeiro foi com uma fantástica história aludindo ao género policial-noir à Americana mas com um tom marcadamente Ibérico (Português também, pois então!): “Manuel Montano: O Manancial da Noite”. Neste álbum trabalhou com o argumento de Fernando Luna e conta a história de um detective privado Português praticamente acabado, Manuel Montano, a quem lhe é dada a missão de encontrar o manancial da noite: no livro, o autor: “- Não queremos que sejas um detective falhado como o Bogart. Por isso preparámos-te na escola de detectives de Lisboa, ao som das navalhas e do fado”. Embora Montano não esteja certo do que procura, não se pode dar ao luxo de rejeitar um trabalho e dedica toda a sua determinação a não deixar que este trabalho termine com muitos outros: sem dinheiro! É um livro com alguns personagens bem poéticos e interessantes (destaco o personagem "Pescas"), que aludem brilhantemente ao bas-fond pejado de figuras malandras acompanhadas de pratinhos de salada de orelha de porco (que parecem salada de polvo) nas tascas e fado.
O álbum “Tangências” leva-nos novamente às relações humanas. É um álbum que traduz a superficialidade com que muitas vezes nos dedicamos às relações com outros, traduzindo-se tangenciais, num dado momento na vida de cada um. É um álbum negativista, ou apenas sincero, que reflecte as relações pessoais superficiais. O tom sépia impresso adensa a emoção sentida por quem lê esta obra, da qual não consegue fugir sem introspectiva reflexão.
Sem dúvidas, o álbum que levou o Miguelanxo Prado ao estrelato do firmamento mundial foi “Traço de Giz”. Este álbum, conforme já o escrevi acima, alude à ténue fronteira entre o sonho e a realidade e à capacidade, ou falta dela, de discernir entre ambas. As relações humanas são esmiuçadas de forma sublime, o que nos leva a acreditar piamente que o autor tem uma grande veia de sociólogo e ou psicólogo. Uma vez mais, Portugal (os Açores, mais concretamente) está presente no autor.
O último álbum lançado no mercado foi “De Profundis”. Este álbum não é BD, antes uma transposição de algumas imagens criadas por Prado para o seu filme de animação com o mesmo nome, acompanhadas por uma narrativa poética. Enquanto o filme é uma sucessão organizada de vinhetas acompanhadas apenas por música, não seguindo o normal padrão do cinema de animação, assumindo-se como pouco convencional ou alternativo no género, o álbum recebe o argumento escrito. No entanto, o livro funciona autonomamente do filme. A história debate-se num amor pouco convencional entre um homem que se aventura num barco para pintar o habitat marítimo e uma violoncelista que mora numa casa no meio da água, onde o sonho se mescla com a realidade. O filme foi premiado com o “Goya” de melhor filme de animação.
Em Portugal temos publicada toda a obra deste autor, praticamente. O autor encontra-se a trabalhar numa novela gráfica que, segundo desejos já manifestados, deverá ser publicada também em Portugal ainda durante este ano (veremos!).
De seu nome Miguelanxo Prado, é um dos expoentes da BD mundial e um dos melhores, mais consagrado e reconhecido autor de BD da nossa vizinha Galiza. Natural de A Coruña, nascido em 1958, com formação em arquitectura, escreveu novelas e foi artista plástico antes de se iniciar na BD. Com variadíssimos prémios e nomeações internacionais, dos quais se destacam o Alph’Art para o melhor álbum estrangeiro em Angoulême por duas vezes, o Eisner para melhor antologia e a nomeação para o Harvey.
É um autor muito atento ao mundo, seja na sua beleza bucólica seja na espécie inteligente (?) que nele habita. Em 1988, pela Humanöides Associés publica o seu primeiro trabalho na BD: “Chienne de Vie”(“Quotidiano Delirante”), onde retrata de forma mordaz e plena de sarcasmo o comportamento social Humano. O sucesso foi imediato e logo se seguiram outras obras onde pôde abordar outras formas de se observar o comportamento Humano. Ainda em 1988 publica um magnífico trabalho onde vislumbra uma hipotética História do comportamento Humano enquanto ser social, com cenários verdadeiramente visionários que culminam num optimístico mas atribulado processo evolutivo para a espécie Humana, onde os Simios e os Cetáceos Delphinidae (vulgo Golfinhos) ocupam um lugar especial; é um trabalho humanista de grande profundidade e que para mim será um dos seus melhores registos: “Fragmentos das Enciclopédia Délfica”. Em 1989 retorna ao registo do seu primeiro álbum com o título “C’est du Sport” (“Crónicas Incongruentes”). Em Portugal, não se seguindo a cronologia de publicação dos títulos em Francês, não é por isso que o trabalho do autor se perde numa lógica de afrontamento com a sociedade civil. Desde a observância de situações que poderão parecer serem levadas ao extremo pelo autor, como também no caso da “Mansão dos Pimpões”, a verdade é que não existe extremismo algum e que as coisas se processam, ou pelo menos se sentem, exactamente dessa forma, deixando o bom cidadão, aquele que é honesto, cumpridor, civilizado, bem-educado ou simplesmente com “vergonha na cara” completamente desarmado pela súcia de FDPs (que não merecem outro nome) que cada vez mais se vão semeando por este mundo fora! Aquela campanha televisiva Portuguesa que aludia à necessidade de criar consciência cívica encontrava exemplos que apenas roçam o que o “Chico-esperto” é capaz de fazer (“Portugal não é só teu”, lembram-se?). Miguelanxo Prado consegue chafurdar no “Chico-espertismo” abundante na nossa sociedade e sempre levados em conta com orgulho pelos que o encaram como modo de vida.
Não é só o escarnecimento da sociedade civil que Miguelanxo Prado explora. A exploração do Homem também é seu apanágio e fá-lo com absoluta distinção na obra “Traço de Giz”, onde se debruça sobre a capacidade de sonhar do Homem e pela sua, por vezes, incapacidade de distinguir o sonho da realidade. Com este álbum ganhou o seu segundo prémio em Angoulême. O primeiro foi com uma fantástica história aludindo ao género policial-noir à Americana mas com um tom marcadamente Ibérico (Português também, pois então!): “Manuel Montano: O Manancial da Noite”. Neste álbum trabalhou com o argumento de Fernando Luna e conta a história de um detective privado Português praticamente acabado, Manuel Montano, a quem lhe é dada a missão de encontrar o manancial da noite: no livro, o autor: “- Não queremos que sejas um detective falhado como o Bogart. Por isso preparámos-te na escola de detectives de Lisboa, ao som das navalhas e do fado”. Embora Montano não esteja certo do que procura, não se pode dar ao luxo de rejeitar um trabalho e dedica toda a sua determinação a não deixar que este trabalho termine com muitos outros: sem dinheiro! É um livro com alguns personagens bem poéticos e interessantes (destaco o personagem "Pescas"), que aludem brilhantemente ao bas-fond pejado de figuras malandras acompanhadas de pratinhos de salada de orelha de porco (que parecem salada de polvo) nas tascas e fado.
Um título que merecerá o seu destaque é a adaptação da história infantil “Pedro e o Lobo”, originalmente concebida para educar musicalmente as crianças e ao mesmo tempo demonstrar-lhes os perigos da mentira. Todos os personagens na obra original de Sergei Prokofiev são representados por um instrumento diferente (ou secção do mesmo género de instrumentos, por exemplo: as Cordas representam o Pedro), onde a sonoridade desses instrumentos é por sua vez representativa da personalidade de cada personagem. A adaptação do Miguelanxo Prado, segundo ele, não é uma versão dedicadamente infantil, mas antes uma versão honesta.
Outro título que nos toca particularmente é “Carta de Lisboa”, escrito por Eric Sarner e maravilhosamente ilustrado por Prado. Perguntaram-lhe como é que tinha sido para um Espanhol a honra de ilustrar esse título, ao que Prado respondeu: “Para um Espanhol eu não sei, mas para mim…a relação dos Galegos com Portugal é muito particular, não tem nada a ver com o resto de Espanha. Devido à fronteira, a gente passa de um lado para o outro e, mesmo economicamente, a relação da Galiza é muito mais forte com Portugal do que com a própria Espanha. (…)”.
A sua técnica é fabulosa e faz-nos crer que utiliza diversos materiais nas suas ilustrações; refere, numa entrevista que deu ao Universo HQ, que utiliza tudo o que ajude, mas que praticamente todas as suas obras são em acrílico, “Traço de Giz” e “Pedro e o Lobo” também. Desde a sumptuosa cor ao preto e branco (“Stratos” e “Fragmentos da Enciclopédia Délfica”) ou mesmo à sépia (“Tangências”) o seu estilo é marcado e inconfundível.
O álbum “Tangências” leva-nos novamente às relações humanas. É um álbum que traduz a superficialidade com que muitas vezes nos dedicamos às relações com outros, traduzindo-se tangenciais, num dado momento na vida de cada um. É um álbum negativista, ou apenas sincero, que reflecte as relações pessoais superficiais. O tom sépia impresso adensa a emoção sentida por quem lê esta obra, da qual não consegue fugir sem introspectiva reflexão.
Sem dúvidas, o álbum que levou o Miguelanxo Prado ao estrelato do firmamento mundial foi “Traço de Giz”. Este álbum, conforme já o escrevi acima, alude à ténue fronteira entre o sonho e a realidade e à capacidade, ou falta dela, de discernir entre ambas. As relações humanas são esmiuçadas de forma sublime, o que nos leva a acreditar piamente que o autor tem uma grande veia de sociólogo e ou psicólogo. Uma vez mais, Portugal (os Açores, mais concretamente) está presente no autor.
O último álbum lançado no mercado foi “De Profundis”. Este álbum não é BD, antes uma transposição de algumas imagens criadas por Prado para o seu filme de animação com o mesmo nome, acompanhadas por uma narrativa poética. Enquanto o filme é uma sucessão organizada de vinhetas acompanhadas apenas por música, não seguindo o normal padrão do cinema de animação, assumindo-se como pouco convencional ou alternativo no género, o álbum recebe o argumento escrito. No entanto, o livro funciona autonomamente do filme. A história debate-se num amor pouco convencional entre um homem que se aventura num barco para pintar o habitat marítimo e uma violoncelista que mora numa casa no meio da água, onde o sonho se mescla com a realidade. O filme foi premiado com o “Goya” de melhor filme de animação.
Não poderia acabar este post sem referir que este autor também já deu o seu contributo, enquanto artista, no mercado Norte-Americano dos comics e não só. Foi responsável pela arte na história “Dream: The Heart of a Star” no maravilhoso “Endless Nights” da série Sandman do conceituado Neil Gaiman, que contou com a colaboração de inúmeros grandes vultos da BD; talvez não tenha sido um acidente ter sido escolhido para uma das mais importantes histórias nesta obra, que alude a muitos acontecimentos que irão ter lugar no futuro dentro da série. Também no cinema de animação deu o seu enorme contributo para a série MIB (Men in Black) ao ser o “character designer”.
Em Portugal temos publicada toda a obra deste autor, praticamente. O autor encontra-se a trabalhar numa novela gráfica que, segundo desejos já manifestados, deverá ser publicada também em Portugal ainda durante este ano (veremos!).
De resto, é um autor incontornável na BD dita Franco-Belga, que nos diverte e assombra ao mesmo tempo, com os seus delírios e suas introspecções mundanas, assim como com a sua maravilhosa técnica. Recomendo vivamente.
7 comentários:
Prado não é a minha horta...
:D
Não tenho nenhum livro dele, embora reconheça a qualidade da obra dele. Apenas é um gosto, ou desgosto, pessoal! Não sei porquê a arte dele nunca entrou bem comigo!
De qualquer maneira fizeste um post de muito boa qualidade. Quase tive vontade de ir à livraria comprar um livro do Prado!
:D
Abraço
Desenho de maneira brilhante as expressões faciais. As personagens femininas são para meu gosto das mais sexy do mundo bd.
Abraço
Bongop: Pois devias ter ido comprar logo um, ou dois: Fragmentos da Enciclopédia Délfica e Stratos (podes crer que tu ias adorar estes dois títulos).
Gio: Eu sei que tu desenhas brilhantemente tudo, não só as expressões faciais :P (estou a meter-me contigo; percebi que foi uma gralha, hehehe!).
Quanto ao teu gosto, já vimos que gostas delas roliças e com ar atrevido, seu manganão.
Epá! foi mesmo gralha!Nunca ousaria dizer uma coisa dessas. Que diria um psicanalista!
Miguelanxo é paradigmático da situaçao (voces disimularan as minhas gralhas) da BD na Galiza e em Espanha. Na Galiza é uma figura máis ou menos reconhecida a pe de rua, aínda que o seu reconhecemento sería moito maior de trabalhar noutro eido artístico (o cinema ou a literatura). Na Espanha é uma figura muito prestigiosa mais só no eido da BD, resultando apenas conhecido para a gente da rúa.
Daquela, semelha que o relevante nao é a categoría que um acada na súa disciplina artística (neste caso, um indiscutible recohecemento internacional), senón a que disciplina se adica um. E assim, um escritor mediocre pode goçar de maior reconhecemento que um Miguelanxo.
Alégrame comprobar que Miguelanxo está bem editado en Portugal!
É indiscutivelmente um autor versátil e fabuloso, mas confesso que tenho algumas saudades do Prado de Stratos e Fragmentos da Enciclopédia Délfica, quanto a mim dois livros fantásticos, num misto de fantasia e ironia.
Ollo de Vidro, realmente não o fazia tão paradigmático, mas é encarado como um sério e bom professional no ramo das belas-artes, independentemente serem as facções mais eruditas ou mais populares a julgá-lo.
João Amaral, também eu, também eu! Como escrevi em cima ao Bongop, são para mim as melhores obras dele e não me acanho de as recomendar.
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