terça-feira, 23 de setembro de 2008

BÉCASSINE, A MÃE DA "BANDE DESSINÉE"

Nariz de ervilha, carinha redonda, faces rosáceas, tamancos nos pés e guarda-chuva debaixo do braço, lá foi a ingénua e provinciana Bécassine viver, qual Cândido de Voltaire, as suas aventuras no Mundo. Objecto de estudos, como o do Historiador Bernard Lehambre em “Bécassine, une legende du siècle”, este personagem é de facto merecedor de tal, pois ela é a pioneira da mulher activa e moderna, que se multiplica em profissões, pratica desportos, faz fotografia, pilota automóveis, aviões, comboios e milita em programas humanitários como a Cruz-Vermelha (1ª Grande Guerra). Eu, embora seja um grande admirador do personagem, não sou o fã que é a bloguista Sheila Leirner, que assim a descreveu. Portanto não arranjei melhores palavras, daí ter descaradamente e praticamente transcrito as dela.

Bécassine é reconhecidamente a primeira heroína feminina protagonista na história da Banda-Desenhada. Criada quase que à pressa para, em 2 de Fevereiro de 1905, preencher uma página em branco de uma revista que tinha como alvo as moçoilas do início do século XX, “La Semaine de Suzette”, tornou-se num fenómeno de sucesso, pelo que essa página passou a ser obrigatória no semanário. Só em 1913 é que Bécassine teve direito a ser publicada em formato de álbum. Até 1939 foram publicados 25 álbuns, tendo em 1992 sido lançado o vigésimo sexto álbum que não foi publicado anteriormente devido ao início da Segunda Guerra Mundial. Em 1959 reiniciou-se a série, com outros autores (o primeiro escrito por Camille François e desenhado por Trubert; os outros dois escritos e desenhados por Trubert). No entanto, as aventuras vividas pela Bécassine na primeira série (que para além dos 25 álbuns ainda contou com mais dois álbuns “fora da série”) ainda hoje são reeditadas. Teve também direito a adaptação cinematográfica em 1939 e a uma longa-metragem de animação em 2001.

Os seus criadores foram inicialmente Jacqueline Rivière (escritora) e Joseph Porphyre Pinchon (desenhador). A partir de 1913, com a evolução para histórias mais estruturadas, a escrita passou a estar ao cargo de Caumery – pseudónimo de Maurice Languereau – um dos associados da Gautier-Languereau, editora responsável pela edição do semanário “La Semaine de Suzette”. Nessa altura foi revelado o nome do personagem: Annaïk Labornez. Todos os álbuns da série foram desenhados pelo talentoso Pichon, com excepção de dois: “Bécassine Chez les Alliés” (número três, de 1917) e “Bécassine Mobilisée” (número 4, de 1918) que foram desenhados por Edouard Zier. Caumery morre em 1941, mas o seu pseudónimo continuará a ser utilizado por outros escritores. Pinchon morre em 1953 e em 1959 Trubert retoma a série; apesar de talentoso, não logrou desenhar mais do que três álbuns.

Bécassine é, indubitavelmente, a precursora da Banda Desenhada Franco-Belga moderna. Marca profundamente a passagem dos contos ilustrados para a verdadeira Banda Desenhada, ou arte sequencial. O seu estilo de desenho, com linhas vivas, modernas e redondas, definiu a chamada “ligne claire” da qual “As Aventuras de Tintin” são, 25 anos depois de Bécassine, o mais bem conseguido e atingido resultado final (Jacques Martin, Pierre Jacobs, Ted Bennoit, Daniel Torres, entre outros, também são exemplares em empregarem esse estilo).
Bécassine é uma jovem empregadinha Bretã, costumizada no traje tradicional e é desenhada sem boca (embora o traje seja mais associado ao habitantes da província Francesa do Norte, Picardy, ela é descrita como sendo da Finistère, Bretanha). Basicamente é um estereótipo da imagem pela qual os Bretões de então eram vistos (ou imaginados) pelos citadinos. Ela é a rapariguinha humilde e de tratos simples da província, vista pelos olhos dos citadinos mais refinados de Paris (publico alvo da “Semaine de Suzette”). Ao longo da série, fruto do sucesso do personagem, é cada vez mais e mais favoravelmente retratada.

Apenas possuo um álbum desta verdadeira heroína e mãe da Banda Desenhada, o quinto, “Bécassine en Apprentissage” (ed.1919); está em excelente estado de conservação e é uma das jóias na minha colecção. Tenho pena de não ter um scanner de grandes dimensões para poder partilhar com vocês a imagem deste e doutros álbuns de maiores dimensões. Está na minha lista de compras a fazer, para poder trazer uma nova rubrica a este blog: Jóias da minha colecção…se calhar parece um bocado pretensioso, mas garanto-vos que não, tenho lá jóias que são de latão, mas para mim valem como o ouro.

13 comentários:

Anónimo disse...

Verdadeiramente, um artigo de colecção. :-)
Obrigado por nos dares a conhecer este tesouro da BD.

Abraço. :-)

PS.- Não há um erro no teu artigo onde dizes "Até 1939 foram publicados 25 álbuns, tendo em 1992 sido lançado o vigésimo sexto álbum que não foi publicado anteriormente devido ao início da Segunda Guerra Mundial."?
Demorou assim tantos anos a ser publicado o 26 álbum? :-o

crucios disse...

txi 1919! n ponhas no scanner! n vás estragar isso xD

refemdabd disse...

Não, não houve erro, demorou isso tudo.

O livro está em excelente estado de conservação; as páginas estão quase brancas, apenas se nota um bocadinho de "amarelecimento". O papel é de muito boa qualidade. As minhas primeiras edições estão praticamente todas "quase novas", incluindo as Du Lombard.

Diabba disse...

Olha bem para a última imagem... já olhaste??

Ok fica desvendado, é a mãe do Tintin!! hihihihihi só pode, são iguaizinhos, por baixo da touca tem uma poupinha!!

enxofre

Nota: destesto o Tintin.

refemdabd disse...

Olhá honra! Não é todo os dias que somos visitados por um membro da Mefistofélica família, o mais ilustre, por sinal.

Se virmos bem as coisas até poderia muito bem ser! As semelhanças são bem visiveis, não se conhecem Pais ao rapazinho e as datas até batem certo. Será que a Bécassine teve algum affair mais secreto (e bem costumeiro para a época) com algum patrãozinho mais maroto?! Se bem sei, isso é um pecado mortal. Vê lá se o encontras aí no circulo para o qual vão essas almas condenadas.

Tintin, põe-te a pau pá! Olha que não estar nas boas graças da Diabba...

Diabba disse...

Aqui em baixo, o pecado é não pecar...

Se vou á procura de malta que brinca "as caçadinhas" estou tramada, são todas candidatas a mãe do palermoide que tem um cão que nem sei se é cão...

enxofre

João Rosa disse...

Esta rapariga é me muito familiar. Talvez tenha havido alguma série animada na minha infância ou simplesmente estou a confundi-la com a Olívia Palito!

Nuno Amado disse...

Da Becassine nem o nome conhecia!
LooL
O teu blog é super útil nestes apontamentos! Mostra história e estórias de BD menos conhecidas ou antiga, com uma escrita que não afasta visitantes!
Muito boa, a review! Ainda bem que resolveste fazer um blog!
:)

Anónimo disse...

já recebi o aviso para ir buscar o TPB nos correios refem!

muito obrigado.
amanha digo qualquer coisa!

Nuno Neves disse...

Excelente! Obrigado por esta pequena lição de história bedefila. Não conhecia de todo esta personagem. Só uma curiosidade, a história tem algum tipo de legendagem ou simplesmente é contada exclusivamente através de imagens?

A título de curiosidade e até por uma questão de quantificação do valor, neste momento encontram-se dois álbuns desta colecção á venda no miau.pt e a licitação começa nos € 40.

refemdabd disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
refemdabd disse...

As histórias têm textos bastante bem redigidos.

Depende do estado dos álbuns e depende dos álbuns. Em estado razoável se forem até 1930 (1ºas edições) parece-me razoável. Vê no ebay Francês para teres uma melhor ideia. Se for o Paulo Baptista (eu conheço-o e ele costuma ter umas preciosidades em bastante bom estado ou em estado razoável) que os tiver à venda, compra sem receios que ele é extremamente correcto, podes até combinar com ele um encontro para receberes em mão própria.

Nuno Neves disse...

Regra geral, só compro bd em português, com excepção de alguns títulos da Marvel ou da DC que colecciono. Também abro uma excepção para edições brasileiras, pelas vantagens da língua. O problema da BD francesa é esse mesmo, ser francesa, e eu não "pesco" nada de francês (infelizmente)!

Quanto ao Paulo Baptista, já lhe comprei dois álbuns, por sinal em muito bom estado. Um excelente vendedor!