sábado, 15 de novembro de 2008

Y: THE LAST MAN, The Deluxe Edition, Book 1.


No Verão do ano 2002, uma praga de origem desconhecida destruiu todo o esperma, fetos e todos os mamíferos possuidores do cromossoma Y – com a aparente excepção de um jovem homem e de um animal que o acompanha, um macaco Capuchinho.
Este “Génerocidio” exterminou instantaneamente 48% da população mundial humana, aproximadamente 2.9 biliões de homens. Quatrocentos e noventa e cinco dos Presidentes dos Concelhos de Administração das quinhentas maiores empresas mundiais, segundo a revista Fortune, estão agora mortos, assim como 99% dos proprietários de terra ao nível Mundial.
Apenas nos Estados Unidos da América, mais de 95% de todos os pilotos de aviação comercial, camionistas, capitães de navios…também 92% de todos os criminosos violentos. Internacionalmente, 99% de todos os mecânicos, electricistas e trabalhadores da construção civil estão agora mortos…embora 51% da força de trabalho agrícola mundial estar ainda viva.
Catorze Nações, incluindo a Espanha e a Alemanha, têm mulheres soldados que serviram em unidades de combate operacionais. Nenhuma das cerca de 200.000 tropas femininas Norte-Americanas alguma vez participaram num palco de guerra debaixo de fogo real (“engaging combat”). A Austrália, a Noruega e a Suécia são os únicos países que têm mulheres a servirem as respectivas forças-armadas embarcadas em submarinos.
Em Israel, todas as mulheres entre a idade dos 18 aos 26 anos já compulsoriamente serviram, ou servem, o seu país nas forças de defesa por um período nunca inferior a 1 ano e 9 meses. Antes da praga, pelo menos 3 dos suicidas bombistas que se martirizaram eram mulheres Palestinianas.
Mundialmente, 85% de todos os representantes governamentais estão agora mortos…assim como 100% de todos os padres católicos, imãs muçulmanos, Rabis Ortodoxos e outros de muitas outras religiões.
BEM-VINDOS AO MUNDO SEM HOMENS.

Após umas páginas introdutórias que antecedem a praga, em que, desde logo, desabrocha o mistério da origem da mesma, o autor, Brian K. Vaughan, assombra-nos com o texto supra.

Yorick, o jovem sobrevivente deste “Génerocidio”, não deverá o seu nome ao seu Pai, um professor de drama, mas antes ao autor e ao seu sentido de drama. Quem nunca ouviu a frase “to be, or not to be”(Hamlet, Acto 3, cena1)?! Frase célebre da mais longa tragédia escrita pelo Bardo. No quinto acto, cena um, da tragédia, o coveiro exuma o crânio de Yorick. A visão macabra evoca em Hamlet um monólogo sobre os vis efeitos da morte:

Alas, poor Yorick! I knew him, Horatio; a fellow of infinite jest, of most excellent fancy; he hath borne me on his back a thousand times; and now, how abhorred in my imagination it is! My gorge rises at it. Here hung those lips that I have kissed I know not how oft. Where be your gibes now?” (no texto).

Em suma, mesmo perante a vaidade terrena, a morte é inevitável e as coisas desta vida são inconsequentes.

A sensibilidade do autor pode não passar despercebida aos jovens Anglo-Saxónicos, que, por imposição do sistema educacional dos mesmos, não se conseguem esquivar ao paralelismo ou à ironia (em vez de analisarem o que se passou em dada novela das 21h00m ou num qualquer “reality-show”).

Estará apenas no nome do personagem principal desta série a analogia propositada (julgo eu) do autor? Será um memento mori (lembra-te que morrerás) a quem a lê? E se for, é sem dúvida brutal. É o “bobo-da-corte” de serviço, disto não há dúvidas, mas não no propósito dos originais. É o herói da série (pese o facto de esse ser o nome de sua irmã, “Hero”), ao contrário do "Jester" original. Incumbido de ser a salvação da humanidade, ao mesmo tempo que tenta alcançar a sua namorada que se encontra na Austrália, seguimos o périplo aventuroso do personagem e do seu macaco Capuchinho (Ampersand – que é nome Inglês para “&”) e suas constantes e consequentes peripécias. O contexto socio-político, assim como económico, nunca é descurado. As eventuais ligações científicas e também místicas e ou míticas são partes indissociáveis da intriga.
Talvez mais despercebida a esses jovens estará a referência quase escandalosa, se não fosse apanágio do autor em pavoneá-la, à obra de uma das principais responsáveis pela introdução do terror e da ficção científica no género literário, a escritora Mary Shelley. De 1826, “The Last Man” não é basicamente aquilo que este “Y: The Last Man” é; ou vice-versa, será mais correcto. A praga que dizimou todo o género masculino não despoletou e logo de uma assentada matou todos os portadores do cromossoma Y. Foi um processo gradual e dramático (não é que o pressuposto pelo Vaughan não seja também dramático, claro). Não quero deixar aqui “spoilers”, por achar que o “The Last Man” da Shelley deveria ser lido por todos os que gostem de ficção científica, em especial que apreciem dentro do género o tema apocalíptico. A Mary Shelley afirma ter encontrado em 1818 uns escritos proféticos, pintados numa folhas pela Cumaen Sibylla, na caverna de Sibéle em Nápoles (Antro della Sibilla). Os escritos profetizariam o fim do Mundo no final do séc. XXI e foram editados pela escritora e narrados na primeira pessoa pelo personagem principal da sua obra, Lionel Verney. Mais estranho será o facto de esta caverna só ter, de facto, sido descoberta em 1932 (!). De qualquer maneira, para quem é crente nestas andanças, este oráculo era de longe o mais respeitado de todos os oráculos e vale a pena (mesmo para quem não acredite, ou queira acreditar) ler a história: Cumaean Sibyl.


Anteriormente, num outro post neste blog, fiz um pequeno apanhado biográfico e bibliográfico do autor desta excelente série, pelo que é desadequado fazê-lo novamente. Quanto a Pia Guerra, a artista encarregue de dar vida aos textos, nunca o fiz. Só agora comecei a ler esta série por algumas razões que passo a descrever: a Vertigo não oferece qualidade nas suas publicações e faz com que isso afecte a arte original; Peguei por várias vezes nos TPB e a arte da Pia Guerra não me convenceu. Pensei que fosse só por ela, mas afinal era também da qualidade do papel que a Vertigo utiliza nos seus TPB. Adquiri a edição especial em hardcover (“The Deluxe Edition Book One”), e pese o facto da dust-cover não ser das melhores, o papel de impressão é substancialmente melhor do que os das edições “trade” (mas não consegue atingir a qualidade dos da Marvel). A arte, embora não capte muito bem o movimento e a velocidade, acaba por me convencer sem me deslumbrar. Esta série foi a grande oportunidade desta artista Canadiana, pois já trabalhando desde meados dos anos 90 em vários títulos independentes, foi com esta série que se afirmou na Industria ao ganhar os conceituados prémios Eisner e Shuster.

Esta edição “deluxe”, livro um, compila os primeiros 10 comics da série em 246 páginas mais 8 páginas de skecthes da Pia Guerra. Assombrosamente (ou não), os sketches da Pia são muito, muito bons. Talvez preferisse muito mais ler esta série sem as colaborações do José Marzan, Jr.(inker) e da Pamela Rambo (colorist). As capas originais também marcam a presença do grande J.G. Jones (já referido no post “Wanted”). A série é composta por 60 comics, por isso poderemos contar (eu espero que sim) com mais cinco edições de luxo.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

LITTLE LULU: MENINA NÃO ENTRA? (*)

Quem não se lembra do clube dos rapazes da rua de baixo – East Side – que reuniam num barracão, no qual, na fachada, lia-se “menina não entra”? O Bolinha, o Careca, o Juca e o Zeca (Tubby, Iggy, Willy Wilkins e Eddie Stimson, respectivamente, no original) urdiam planos para humilharem as meninas da sua turma; ao mesmo tempo refugiavam-se da turma do Norte (The West Side Boys), eternos arqui-inimigos da parte mais desfavorecida da Cidade. Pese o facto de os rapazes serem maiores fãs do Bolinha França (Thomas “Tubby” Tompkins, no original), a verdadeira heroína desta turma é, de facto, a Luluzinha Palhares (Lulu Moppet, no original). Será uma ironia o aviso expresso na parede do barracão do clube dos rapazes, pois se não fosse pela Lulu nunca teria existido a famosa turma.

Little Lulu é uma criação da já desaparecida Marjorie “Marge” Henderson Buell (1904 – 1993). A Marge foi uma das mulheres pioneiras na profissão de cartunista, profissão amplamente – ainda hoje – dominada pelos homens. Em 1920 publicou o seu primeiro trabalho e em 1925 o seu primeiro trabalho “syndicated”, “The Boy Friend”. Em 1934 foi contratada pelo Saturday Evening Post e em 1935, naquela publicação, surgiu o primeiro desenho da Lulu. Só passados 9 anos é que o personagem começou a ser publicado diariamente nos jornais. O sucesso foi tremendo e tornou-se um fenómeno de marketing. A Marge detinha os direitos sobre o seu personagem (o que, naquele tempo, era raríssimo) e foi a principal beneficiadora do sucesso da sua criação. Em 1947 deixou de desenhar ela própria as histórias do personagem tendo, no entanto, mantido o controlo criativo do mesmo, desenhado desde então por John Stanley. Em 1971, Marge decidiu reformar-se e vendeu os direitos à Western Publishing. Ainda hoje os seus trabalhos originais são muito disputados nos leilões, atingindo consideráveis valores. Comics das editoras Dell e Gold Key são altamente coleccionáveis. A editora Norte Americana Dark Horse, muito recentemente, reeditou cronologicamente em 18 volumes as aventuras da “Little Lulu” (e sua turma) e mais um volume fora-de-colecção a cores pela iniciativa e amor aos personagens de John Stanley. As aventuras do personagem foram exportadas para diversos países (Japão, Grécia, Arábia, Finlândia, Espanha, e, claro, Brasil). A Devir Brasileira tem os livros da Dark Horse traduzidos para Português.

Até nós, Portugueses, chegou-nos do Brasil e também foi um sucesso. Guardo com cuidado esses gibis, pois confesso, ainda hoje gosto de reler as aventuras dessa turma e embora as reedições da DH sejam de grande qualidade, faltam-lhe alguns dos trabalhos que eu mais gosto. Entre essas aventuras que faltam, a minha favorita é sem dúvida “Summer Camp”, publicada nos anos 70 pela “Editora Abril” (originalmente pela Gold Key comics em formato gigante). É uma mega aventura muito ao estilo das férias da pequenada Norte-Americana (campo de férias), muito divertida, extremamente bem escrita, onde se inclui uma das famosas histórias inventadas pela Lulu com o intuito de dar uma lição de moral ao terrível Alvinho (Alvin Jones, no original) onde Meméia e a Alcéia atormentavam a Pobre Menininha.
A editora Abril publicou um total de 227 números (1974 – 1992) com periodicidade mensal. O tamanho inicial era o chamado formatinho (21x13,5) e manteve-se assim até ao número 67. A partir de número 68 e até ao final foi publicado no formato (19x13,5). O número 1 é uma edição especial das Diversões Juvenis (lembram-se do Alceu e Dentinho? Rocky & Bullwinkle, no original); a numeração apenas se iniciou na capa do número 3.
Antes da editora Abril, no Brasil, foram publicados pela editora O Cruzeiro (algumas destas revistas, em formato Comic, aparecem esporadicamente no Miau.pt).
Nos EUA a DELL publicou 268 números (1947 – 1984).

Para além dos já mencionados personagens, podem também lembrar-se do Plínio (Wilbur Van Snobbe), da Glorinha (Glory), da Aninhas (Annie), Dona Marocas (Miss Feeny) do Seu Jorge Palhares (George Moppet) e da D. Marta Palhares (Martha Moppet), do grande detective “O Aranha” (“The Spider”), que não era outro se não o próprio Bolinha e muitos outros inesquecíveis personagens.

As histórias eram aparentemente simples, mas continham nelas todo o quotidiano das normais crianças dos anos 30/40 do século XX, indo adaptando-se aos tempos, mas sem nunca perder o ideal da infância feliz, livre e despreocupada que se tem vindo a perder nas décadas mais recentes. A moral era forte, a escrita, há semelhança dos outros comics, é que não era exemplo para nenhuma criança: maneirismos e contracções próprias da fala reflectiam-se na escrita. Não existiam mensagens políticas, nem existencialismos disfarçados de crianças. Eram e são histórias para crianças que só precisam de ser isso mesmo.
Eu, embora adulto, ainda gosto de revisitar essa ingenuidade, por momentos sentir-me ainda criança. Só tenho conseguido este breve e quase efémero sentimento, enquanto leio, nos personagens da Harvey e nos da Marge. Quando não leio, é fácil: brinco com o meu filho. Nunca hei-de ser velho ao ponto de não tentar sentir-me como uma criança.




(*) Menos a Diabba (estava feito ao bife, se não abrisse a excepção, como podem ver pelo exemplo de cima).